Os militares da guarda presidencial de Burkina Faso anunciaram nesta quinta-feira a dissolução das instituições do país, quase um ano após a deposição do ex-presidente Blaise Compaoré.
A movimentação começou na véspera, quando os militares fizeram o presidente e membros do governo de reféns. Nesta quinta, as ruas amanheceram sob controle dos soldados, que atiravam para dispersar manifestantes hostis ao golpe.
Pelo menos três pessoas morreram, entre elas um homem baleado que não resistiu, e outras 60 ficaram feridas desde ontem, informou o principal hospital de Uagadugu. Em relação aos feridos, há lesões por tiros e diferentes traumatismos, de acordo com a mesma fonte.
O presidente do Parlamento interino (CNT), Cheriff Sy, disse à rádio francesa RFI que há "pelo menos seis mortos". Em sua página no Facebook, o movimento "Vassoura Cidadã" mencionou "mais de dez mortos em Uagadugu pelos milicianos do RSP". Esse grupo liderou os protestos contra o ex-presidente Compaoré.
Em outubro de 2014, milhares de burquinenses tomaram as ruas para tirar Compaoré do poder, após 27 anos à frente do país. Na manhã desta quinta-feira, quase um ano depois, a população acompanhou impotente a proclamação de um golpe de Estado militar na televisão nacional.
Os soldados do Regimento de Segurança Presidencial (RSP), um corpo de elite do Exército e guarda pretoriana do ex-presidente Compaoré, atualmente exilado na Costa do Marfim, anunciaram ter dissolvido as instituições da transição e prometeram organizar eleições inclusivas.
O ex-chefe do Estado-Maior do ex-presidente, general Gilbert Diendéré, colocou-se à frente do Conselho Nacional da Democracia (CND), o novo poder implantado pelos golpistas, relatou o próprio CND em nota divulgada nesta quinta-feira.
No comunicado, o CND denunciou "o regime desviado da transição" e justificou o golpe, em função das "medidas de exclusão tomadas pelas autoridades de transição".
O general Diendéré esclareceu que o presidente destituído Michel Kafando e os demais membros de seu gabinete "estão bem e serão libertados".
Até então nas sombras, esse militar esteve envolvido no golpe de Estado que levou seu ex-mentor ao poder em outubro de 1987. Nesse episódio, o chamado "pai da revolução" burquinense, capitão Thomas Sankara, foi assassinado.
Ainda nesta quinta, ele declarou que "nosso desejo é nos reorganizarmos e convocar as eleições rapidamente".
"Não temos prazo, não discutimos isso. Pensamos em discutir com os atores envolvidos, partidos políticos e organizações civis, para fixar um calendário para as eleições presidenciais e legislativas", completou.
Os militares anunciaram a instauração de um toque de recolher entre 19h e 6h. Fronteiras terrestres e aéreas do país ficarão fechadas até nova ordem.
Na mensagem em rede nacional de televisão, o tenente Mamadú Bamba, do RSP, anunciou a renúncia do governo de transição, presidido por Michel Kafando, assim como do chamado Conselho Nacional de Transição.
"Teve início um grande diálogo para formar um governo que se dedicará à restauração da ordem política do país e da coesão nacional, que conduza a eleições inclusivas e em calma", acrescentou o tenente Bamba.
O RSP rejeita a lei que proíbe aos partidários do ex-presidente se apresentarem às eleições de 11 de outubro, que devem colocar fim à transição. Nesse contexto, várias pessoas já se perguntavam nas redes sociais, se Compaoré não estaria por trás do atual golpe.
Disparos em Uagadugu
A polêmica lei eleitoral proíbe a apresentação dos que apoiaram uma mudança inconstitucional, uma referência à tentativa de Compaoré, quando estava no poder, de modificar a Constituição para eliminar o limite de mandatos presidenciais.
Em entrevista à rádio RF1, Cheriff Sy denunciou um "golpe de Estado" e pediu à população "que se mobilize imediatamente".
Nas redes sociais, o "Vassoura cidadã" convocou uma nova concentração para "dizer 'não' ao golpe de Estado em andamento".
Na manhã de hoje, foram ouvidos disparos em Ugadugu, a capital do país, enquanto os militares da guarda presidencial erguiam barricadas ao redor de Ouaga2000, o bairro onde se encontra o Palácio Presidencial.
As ruas da capital estavam quase desertas, lojas e escritórios administrativos não abriram, e o grande mercado da capital permaneceu vazio. Sindicatos convocaram greve nacional.
Na segunda maior cidade do país (oeste), Bobo-Diulaso, a maioria dos estabelecimentos comerciais ficou fechada, e as pessoas foram às ruas. Houve protestos em outros lugares.
A crise começou na tarde de quarta-feira, com a invasão no Palácio Presidencial, em pleno conselho de ministros, por militares do RSP. Essa guarda conta com 1.300 homens do Exército.
Os militares tomaram como reféns o presidente interino, Michel Kafando, o primeiro-ministro Isaac Zida, e vários membros do governo. Segundo diferentes fontes, os militares deixaram as mulheres que integram a Administração sair.
O golpe provocou a condenação unânime da comunidade internacional. O Conselho de Segurança da ONU, a União Africana, a União Europeia e a Comunidade Econômica de Estados da África ocidental exigiram a libertação de Kafando e de seu gabinete.
O presidente francês, François Hollande, condenou o golpe de Estado e exigiu a restauração das instituições.
O primeiro presidente senegalês Macky Sall, presidente em exercício da Comunidade de Estados da África Ocidental (Cedeao), viaja nesta sexta-feira para Burkina Faso. De acordo com sua equipe, ele já foi enviado da organização ao país durante a crise ocorrida há quase um ano.
* AFP