Professores da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul relatam o uso de diferentes instrumentos para evitar a reprovação mesmo de estudantes que ficaram abaixo da média. Em uma escola, se o estudante não alcançar a nota 6 em até três disciplinas, consegue passar de ano. Em outra, a indicação seria de que ninguém que frequentou o mínimo de 75% das aula repetisse de ano. Em uma terceira, os infrequentes puderam realizar atividades que valiam presenças. A Secretaria da Educação (Seduc) nega que haja recomendação para aprovar alunos abaixo da média.
Jorge Silveira é professor de História em uma escola de Canoas, na Região Metropolitana, e afirma que a criação de regras que visam recuperar o estudante e evitar sua repetência vem acontecendo desde a pandemia. Neste ano, porém, foi “escancarado”:
— No final do ano, para nossa surpresa, quando tivemos o conselho final, a supervisora anunciou que todos os alunos que tinham frequência suficiente teriam que ser aprovados. Ou seja: aqueles que tinham nota baixa, inclusive notas mínimas, seriam aprovados. Só repetiram aqueles que não frequentaram o ano letivo — relata.
O educador diz que a orientação existe, mas não é oficializada por escrito. No seu entendimento, a medida contribui com a presença do Rio Grande do Sul “nos últimos lugares, em termos de qualidade”, nas avaliações de desempenho educacional, e destaca que os alunos “sabem que não precisa fazer muita coisa” para passar de ano.
Em uma instituição da região central de Porto Alegre, uma professora diz que estudantes sem nota suficiente em até três matérias acabaram aprovados no conselho de classe. A docente conta que procura se manter firme e não modificar as notas que definiu.
Já na zona norte da Capital, uma educadora que trabalha em duas escolas – uma atingida pela enchente e outra não – informa que a orientação em ambas foi de fazer atividades de recuperação de faltas dos estudantes que não alcançaram a frequência mínima para passar. Ela percebe um “afrouxamento” maior dos requisitos para aprovação em ambas.
No Litoral Norte, um professor reconhece que existe uma “tendência protocolar” a se fazer de tudo para que os alunos sejam aprovados. Entretanto, garante que a gestão da instituição faz tudo “dentro da legalidade”, aprovando somente quem cumpre os quesitos legais: atingir nota 6 em todas as disciplinas e frequência mínima em 75% das aulas.
Em nota, a Seduc relatou duas orientações distintas da pasta: uma para toda a rede e outra específica para 53 escolas diretamente impactadas pela enchente e que sofreram “interrupção significativa dos dias letivos”.
Para toda a rede, desde o início do ano foram adotados os Estudos de Aprendizagem Contínua, processo no qual os estudantes têm novas oportunidades para recuperar as aprendizagens não consolidadas. A secretaria aponta que a estratégia visa “garantir que todos avancem nos seus estudos com os conhecimentos esperados”, mas ressalta que o instrumento não se trata de uma recuperação automática.
Já as 53 escolas diretamente impactadas pela enchente cumprem o regime de Continuum Curricular permitido pelo Parecer nº 3 do Conselho Nacional de Educação e o Parecer nº 1 do Conselho Estadual de Educação. Com a flexibilização, a recuperação das aprendizagens e da carga horária poderá ser concluída no ano que vem, de uma forma semelhante ao modelo adotado no período pós-pandemia.
Más condições de ensino
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Mateus Saraiva avalia que a principal preocupação de quem ensina é com a falta de aprendizagem dos alunos, o que se conecta com problemas estruturais das instituições.
— Vai ter escola que precisaria da figura do monitor, vai ter escola que precisa de melhores condições de infraestrutura, vai ter escola que vai ter falta de professor, vai ter escola que precisa de mais recursos didáticos. Varia, mas o que, na verdade, está se discutindo, são as condições para garantir a aprendizagem desse aluno que fica para trás. A reprovação é uma consequência desse processo todo.
O docente salienta que há uma cultura escolar brasileira de altos índices de reprovação que, no Rio Grande do Sul, tem se mantido. Na sua visão, muitos docentes resistem em aprovar mais estudantes porque percebem que, dentro do sistema, há poucas condições de recuperar aquela aprendizagem no ano seguinte.
— O problema dessa ação é que ela acaba incidindo justamente naqueles que têm menos poder para mudar alguma coisa, que são os alunos. Uma boa condição de aprendizagem depende de o aluno ter saneamento básico, moradia, alimentação, uma gama de direitos sociais, e, por isso mesmo, o futuro da reprovação se torna mais preocupante, porque ela acaba incidindo justamente sobre aqueles que têm a menor garantia de direitos — reflete o professor.
Em um mundo ideal, segundo Saraiva, a avaliação da aprendizagem de cada estudante precisa ser processual e dialógica, sendo possível reconhecer o aprendizado do aluno no início do período letivo e, ao longo daquele ano, se identificar progressivamente o que ele aprendeu. Para isso, seria necessário ter uma estrutura de recursos e de pessoal suficiente para que os docentes trabalhem com turmas menores, por exemplo, e consigam fazer um ensino e um acompanhamento mais personalizado.