
A medida anunciada pelo governo federal de isentar os impostos de importação de alimentos, em uma tentativa de reduzir o valor da comida no país, foi recebida com ceticismo por entidades gaúchas ligadas aos produtores rurais e ao setor de supermercados.
Para a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), a iniciativa será inócua. A Farsul considera que a inflação no prato dos brasileiros decorre da alta generalizada nos custos para levar os produtos do campo até as prateleiras dos mercados, e não do preço cobrado pelos produtores — que já estaria entre os mais baixos no cenário internacional.
Já a Associação Gaúcha dos Supermercados (Agas) avalia que um eventual impacto positivo deve ficar restrito a itens que já são importados em maior escala pelo Brasil, como azeite e itens à base de trigo.
Na quinta-feira (7), o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, anunciou as ações destinadas a baratear a comida — que encareceu 7,7% ao longo do ano passado, bem acima da inflação geral de 4,83%.
Entre as iniciativas, será zerada a tarifa de importação para alimentos como carne, café, açúcar, milho, massas alimentícias, azeite e óleo de girassol. A medida deve passar pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) antes de entrar em vigor.
Para Farsul, foco está nos custos intermediários
Economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz acredita que a estratégia do Planalto não vai provocar efeitos por algumas razões principais. Uma delas é a dificuldade de encontrar preços internacionais mais baixos do que os já praticados no país.
— Somos o maior produtor e exportador de café do mundo, fornecendo 31% do que é comprado por todos os países. Metade das importações de açúcar no mundo tem origem no Brasil. Somos o segundo maior produtor e o maior exportador de carne de frango e bovina, com 35% (das vendas) de frango e 25% da carne bovina. Não tem quem tenha preço interno mais barato do que o nosso no nível das commodities — argumenta Luz.
O economista da Farsul observa, em segundo lugar, que há um descompasso entre o preço cobrado pelos produtores e o que chega para o consumidor. Um levantamento realizado pela entidade mostra, por exemplo, que o valor do arroz recuou 22% no campo entre dezembro de 2023 e o final do ano passado, mas aumentou 3% em média nas prateleiras.
O preço da soja está abaixo de quatro anos atrás, arroz, trigo e milho também. O problema não está nos preços do produtor, mas nos custos logísticos envolvidos entre a saída do campo e a chegada ao mercado.
ANTÔNIO DA LUZ
Economista-chefe da Farsul
— Se aumenta combustível, energia, salário, o preço pode cair numa ponta, a do produtor, e aumentar na outra, do consumidor. A inflação é um aumento generalizado de preços decorrente de um desequilíbrio econômico impulsionado por benefícios fiscais do governo — sustenta Luz.
Importação deve ter pouco efeito
O especialista da Farsul acrescenta que o Índice de Preços ao Produtor (IPP, média dos custos de todos os produtores de bens ou serviços) somou 9,4% no ano passado (em comparação à inflação geral de 4,8%).
Antônio da Luz acredita ainda que a importação de produtos alimentícios não deverá ter grande efeito sobre o preço cobrado internamente pelos agricultores gaúchos ou sobre o tamanho do mercado em que atuam, salvo exceções.
— Como a medida do governo não tem data para acabar, poderia pegar algum período em que os Estados Unidos estejam colhendo milho, por exemplo, e aí pode fazer cair o preço aqui também por um período, mas não acredito que nem isso vá ocorrer — observa Luz.
Agas estima impacto muito localizado
O presidente da Agas, Antônio Cesa Longo, compartilha a visão da Farsul de que o Brasil terá dificuldade em encontrar alimentos com preços mais vantajosos no mercado internacional do que os praticados internamente — condição necessária para a medida do governo federal derrubar o custo da alimentação.
A questão é que o Brasil é o grande celeiro mundial. Claro que isentar a importação de produtos que já vêm de fora, como o azeite ou o trigo, baixa o preço internamente. Mas não temos de onde importar, hoje, açúcar ou milho mais barato. Nossa produtividade é muito grande.
ANTÔNIO LONGO
Presidente da Agas
— Adianta baixar o preço do trigo, presente na massa e no biscoito, e aumentar o do diesel? — questiona Longo.
O governo federal sugeriu ainda que os governos estaduais zerassem a cobrança de ICMS sobre a cesta básica. No Rio Grande do Sul, a alíquota básica é de 7%, com isenções pontuais (veja lista mais abaixo). Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria Estadual da Fazenda, o Piratini está "analisando" esse assunto.
Conforme reportagem publicada em GZH, técnicos da Fazenda estimam que o corte do ICMS resultaria em uma perda de R$ 1 bilhão ao ano em arrecadação.
Alimentos que terão tarifa de importação zerada
- Azeite (hoje com alíquota de 9%)
- Milho (7,2%)
- Óleo de girassol (Até 9%)
- Sardinha (32%)
- Biscoitos (16,2%)
- Massas alimentícias — macarrão (14,4%)
- Café (9%)
- Carnes (Até 10,8%)
- Açúcar (Até 14%)
- Óleo de palma (Cota de importação passa de 65 mil toneladas e 150 mil)
Como é a tributação sobre os alimentos no RS
A Secretaria da Fazenda informa que "a maior parte dos itens da cesta básica no Rio Grande do Sul é objeto de alíquota diferenciada. Itens importantes como produtos hortifrutigranjeiros, leite pasteurizado (tipo a, b e c), ovos e pão francês são isentos da cobrança de ICMS".
O Estado disponibiliza ainda benefício fiscal para itens que, em vez de terem alíquota de ICMS de 17% (como outros produtos) tem a aplicação de uma alíquota de 7%. Os alimentos são os seguintes:
- Açúcar
- Arroz beneficiado
- Banha suína
- Café torrado e moído (exceto em cápsulas)
- Carne e produtos comestíveis (inclusive salgados, resfriados ou congelados, resultantes do abate de frangos, de suínos, exceto javalis, e de gado vacum, ovino e bufalino)
- Conservas de frutas frescas, exceto de amêndoas, avelãs, castanhas e nozes
- Farinhas de trigo (inclusive com adição de fosfatos minerais, antioxidantes, emulsificantes, vitaminas ou fermento químico)
- Farinhas de arroz, de mandioca e de milho
- Feijão de qualquer classe ou variedade (exceto o soja)
- Leite fluido
- Margarina e cremes vegetais
- Massas alimentícias (exceto as que devam ser mantidas sob refrigeração)
- Óleos vegetais comestíveis refinados, exceto de oliva
- Peixe (exceto adoque, bacalhau, merluza, pirarucu e salmão) em estado natural, congelado ou resfriado, desde que não enlatado nem cozido
- Sal