
A decisão recente do governo brasileiro de chamar o setor privado a investir na infraestrutura é um dos temas mais quentes do 26º Fórum da Liberdade. Um dos convidados a debater é o do economista Gabriel Calzada Alvares (foto ao lado), fundador e presidente do Instituto Juan de Mariana, dedicado à pesquisa de temas públicos.
Para garantir independência, não aceita doações ou ajuda de governo ou partido político. O nome é inspirado por um padre jesuíta que viveu entre os séculos 16 e 17, preso por se opor ao então rei da Espanha, Felipe III. Calzada é professor na Universidade Rey Juan Carlos desde 2004. Em 2007, foi convidado pelo Congresso dos EUA a discutir a criação de empregos para a indústria de energia renovável.
Zero Hora - No Brasil, o governo decidiu fazer concessões de infraestrutura e privatizar aeroportos. Concessões são indispensáveis para ter serviços eficientes?
Gabriel Calzada Alvares - A privatização da infraestrutura permite adequar o tamanho e o custo de manutenção às reais necessidades da sociedade. Na Espanha, há aeroportos internacionais onde não aterrissa nenhum avião, linhas de trem de alta velocidade caras e sem passageiros e centrais elétricas paradas devido a regulações intervencionistas. A gestão privada da infraestrutura costuma evitar o desperdício de recursos tão frequente quando um órgão público faz a gestão. Ao consumidor, não deveria importar quem opera, mas que o faça o melhor possível. E para gerir bem é preciso ter validação ou reprovação diária dos consumidores. É necessário liberalizar o mercado, liberá-lo de privilégios. Na Espanha, estamos sofrendo anos de manejo público da infraestrutura que provocaram enorme desperdício.
ZH - Qual o papel do setor privado e do Estado na adequação da infraestrutura?
Calzada - Não creio que exista um papel único do setor privado. Temos consumidores, provedores, produtores e financiadores. Os consumidores aceitam ou rechaçam as distintas formas de prover um serviço e definem um preço para isso. Os produtores criam a infraestrutura que possa satisfazer os consumidores, os provedores gerenciam a infraestrutura sem desperdiçar recursos, tentando reduzir custos e ampliar as margens de lucro, rivalizando com outros produtores. Por fim, os financiadores tomam recursos poupados e os investem de modo que possam compensar os poupadores pelo prazo em que decidiram renunciar ao consumo. Entre todos se consegue que a infraestrutura se aproxime o mais possível das necessidades das pessoas e empresas. O papel do Estado deveria ser garantir que o marco legal não barre a concorrência e que a regulação não favoreça uma determinada forma de prover o serviço.
ZH - No Brasil, agências que fiscalizam serviços privatizados são criticadas. Quem usa infraestrutura depende do mercado?
Calzada - Em geral, as agências suplantam o papel da sociedade civil e impedem a concorrência que leva a ter infraestrutura com boa relação preço-qualidade. Em vez de criar agências que dão licenças de produção, regulam formas de provisão e estabelecem preços, o Estado deveria assegurar a retirada das barreiras a diferentes mercados e deixar que os agentes da sociedade civil busquem as melhores opções. É normal que haja críticas às agências reguladoras. Em geral, estão dominadas por políticos, sindicatos e grupos de interesse associados às empresas consolidadas. É difícil que possam gerar bons serviços a baixo custo. O soberano deveria ser o consumidor, aceitando ou rechaçando propostas de empresários que rivalizam pela oferta do serviço. Se o mercado está liberalizado, agências reguladoras não têm razão de ser.
ZH - Nem preços devem ser regulados?
Calzada - Não vejo diferença entre o preço do serviço de infraestrutura e o de outros, como sinal de internet, entrega de água engarrafada a domicílio ou até do padeiro que deixa o pão pela manhã na porta de casa. O consumidor estaria interessado que esses serviços tenham preço regulado? Talvez só a curto prazo, e só enquanto consumidores. Mas o consumidor também é poupador e espera uma remuneração só possível a preços de mercado. Também costuma ser, de uma ou outra forma, um investidor - por exemplo, por meio de seu plano de aposentadoria -, e a regulação de preço afeta por esse lado. Também queremos infraestrutura que melhore com o tempo. Para isso é preciso criatividade, rivalidade, preços que reflitam a valoração feita pelo consumidor. Contribuintes não querem elevação de impostos para cobrir déficits gerados por preços artificialmente baixos.
ZH - Em Portugal, uma das reações à crise foi a multiplicação de pedágios, o que exasperou a população. Por que a Espanha não fez o mesmo?
Calzada - É lógico que as pessoas estão aborrecidas. Os políticos disseram por anos que era tudo grátis e, em seguida, dizem que é preciso pagar a cada vez que usar. A irritação é mais do que compreensível. O problema estava na ficção segundo a qual ninguém pagava e o Estado dava tudo em troca dos impostos que ninguém entendia de onde vinham nem onde iam parar. Por outro lado, a criação de pedágios deveria estar associada à redução de impostos, algo que em Portugal os políticos não quiseram fazer. O pedágio é uma mudança de modelo: cada um paga o que usar. Na Espanha, muitas empresas envolvidas com pedágio estão falidas por causa da bolha imobiliária e energética. Por isso não foi seguido o mesmo caminho.
ZH - Na Espanha há grande insatisfação popular com governo, realeza, bancos - a maioria das instituições. Há saída?
Calzada - A Espanha viveu durante anos uma grande festa que não se podia pagar. Tivemos uma das maiores bolhas imobiliárias do mundo em termos relativos. Mas não foi a única. Sofremos uma enorme bolha em energia renovável, outra em hospitais em construção, outra de trens de alta velocidade. Poucos se perguntaram se aquele ritmo de gastos era possível, e quase todos quiseram crer que não havia problema em gastar e financiar esse gasto com mais e mais dívida. Agora a sociedade espanhola despertou da bebedeira, e o panorama é desolador. O desemprego está em 26%, a corrupção nas nuvens, o déficit alto, o governo não faz nada além de elevar impostos e a economia não reage. A festa acabou, e alguém tem de pagar. A Espanha está em um momento crítico. Ou reconhecemos os erros e tratamos de mudar para um modelo em que a responsabilidade individual tenha um papel mais importante ou sofreremos décadas de estagnação econômica e decadência social.
ZH - Na década de 1990, as empresas espanholas participaram de privatizações na América Latina. Hoje, países da América Latina, o Brasil em particular, são importantes para empresários espanhóis?
Calzada - Sem dúvida. Muitas empresas espanholas seguem muito competitivas fora da Espanha, e a América Latina continua a ser o maior mercado para muitas, por razões históricas, culturais e econômicas. O Brasil continua sendo um dos países mais importantes para muitas empresas espanholas que conseguiram se internacionalizar e escapar, pelo menos em parte, do desastre nacional.
ZH - O Brasil teve baixo crescimento em 2012. O senhor recomendaria mais investimentos no país? Por quê?
Calzada - Cada setor precisa ser olhado com lupa. As possibilidades de crescimento do Brasil continuam grandes. Mas o crescimento futuro não é determinado pelo crescimento passado. Para seguir crescendo, o Brasil deve se abrir mais e liberalizar muitos de seus mercados. À medida que as políticas do governo brasileiro forem na direção de não impedir a criação de empresas nem a concorrência, conter o gasto público, reduzir os impostos, melhorar o sistema judicial e liberalizar mercados, o Brasil tem um futuro brilhante. Assim, à medida que o governo siga essa linha, eu recomendaria continuar investindo no Brasil. Se o governo optar por mais regulação e intervencionismo, a recomendação seria investir em sociedades mais abertas e mais promissoras em crescimento.
Programação do Fórum da Liberdade
8 de abril - segunda-feira
17h - 1º painel: Empreendedorismo: há empreendedorismo sem lucro?
Luciano Huck, apresentador, Marcos Troyjo, cientista social, escritor e diplomata, Marcio
Kumruian, fundador da Netshoes. Mediador: Michel Gralha, presidente do IEE
18h30min - Solenidade de abertura
Entrega Prêmio Liberdade de Imprensa - Carlos Ayres Britto
Entrega Prêmio Libertas - Empresário de Comunicação - João Roberto Marinho
19h30min - Palestras especiais de abertura
Alexandre Tombini, presidente do Banco Central
Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho de administração da Gerdau
20h15min - 2º painel: Liberdade de imprensa: qual o preço do silêncio?
Fabio Barbosa, presidente do Grupo Abril, Julio Saguier, presidente do Jornal La Nación (Argentina). Mediador: Nelson Sirotsky, presidente do conselho de administração do Grupo RBS
9 de abril - terça
9h30min - 3º Painel: Segurança Pública: qual o custo da insegurança?
Bene Barbosa, especialista em segurança pública e presidente da ONG Movimento Viva Brasil, Jairo Jorge, prefeito de Canoas, José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Mediador: Guilherme Fração, diretor do IEE
11h - 4º Painel: Protecionismo: protegendo quem de quem?
Hélio Beltrão, fundador e presidente do Instituto Ludwig von Mises Brasil, Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, Randy Simmons, diretor do Instituto de Economia Política na Utah State University. Mediador: Túlio Milman, jornalista
14h30min - 5º Painel: Falta de infraestrutura: a infraestrutura pública é gratuita?
Gabriel Calzada Alvares, presidente do Instituto Juan de Mariana, Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, Paulo Kakinoff, presidente da Gol. Mediador: Eduardo Fernandez, diretor do IEE
16h15min - 6º Painel: Educação Básica: quais as consequências da ignorância?
Gustavo Cerbasi, consultor financeiro, Luis Filipe Reis, diretor corporativo do Sonae, Ozires Silva, reitor da Unimontes e ex-ministro da Infraestrutura. Mediador: Lisiane Pratti, diretora do IEE
18h - 7º Painel: Gasto público: Quem paga a conta?
Eduardo Campos, governador de Pernambuco, Hannes Gissurarson, professor da Universidade da Islândia, Yaron Brook, diretor executivo do Ayn Rand Institute. Mediador: Bruno Zaffari, vice-presidente do IEE
19h30min - Palestra especial de encerramento
Yoani Sánchez - jornalista cubana e autora do blog Generación Y