Comunicavam-se nascimentos em pequenos anúncios no jornal. Crianças andavam de bicicleta no meio da rua, não havia condomínios fechados. Sabíamos os números de telefone de cor – de avós, primos, amigos.
Pagávamos as contas com dinheiro vivo, a não ser valores maiores, quando usávamos cheque. Se não quiséssemos que o cheque fosse descontado no caixa do banco, fazíamos dois riscos no canto da folha e quem o recebia era obrigado a depositá-lo, o que nos dava tempo até a compensação.
Telefonávamos para conversar e combinar encontros. Enviava-se cartas pelo correio, que chegavam ao destino semanas depois. E usava-se o telegrama para notícias urgentes. Pai hospital volte logo. Suprimiam-se preposições, pronomes: se pagava por palavra.
Ria-se muito em frente à televisão. Viva o Gordo, Chico City, Os Trapalhões, Armação Ilimitada, Casseta e Planeta, TV Pirata. O último capítulo da novela parava o país. Nossa propaganda era premiada no Exterior.
Viajar de avião era um evento. Serviam farta comida e bebida durante os voos. Fumava-se dentro da cabine. Aos 13, meninos e meninas já tinham dado sua primeira tragada. Saída de colégio era um fumódromo. Festivais de música e torneios esportivos eram patrocinados por cigarros.
Mertiolate ardia. Crianças tinham cáries. Não havia flúor na pasta de dente. Tomava-se menos água. As pipocas vendidas no cinema vinham em saquinhos de papel. Às vezes, o filme parava no meio e a plateia assobiava para avisar o projetista. Namoros começavam quando se pegava na mão. Mostrava-se na telona o documento de liberação do filme pela censura.
Casar virgem era comum. Não se sabia o sexo dos bebês antes de nascerem. Esperar fazia parte do viver.
Parece mentira, mas há documentos, testemunhos, sobreviventes: era assim mesmo. Quem viveu, lembra com saudade, mas sem perder o juízo: voltar no tempo, nem pensar. Evoluímos. Se antes varríamos para baixo do tapete os preconceitos e a alienação, hoje temos informação instantânea e escutamos a voz de todos, graças à revolução digital. Seria maravilhoso se fizéssemos bom uso dessa conexão progressista, mas o ser humano é craque em estragar tudo.
Por ganância e irresponsabilidade de alguns, ficará cada vez mais difícil perceber o que parece mentira e o que parece verdade. Já que a desinformação produz ainda mais poder e dinheiro, seremos transformados em consumidores deliberados de falsidades e habitaremos um planeta sem alma, totalmente manipulado. Crise mundial de confiança. E a solidão se expandirá.
Não sou de fazer drama, mas dá vontade de enviar um telegrama para aqueles poucos que ainda sei o telefone de cor. Prepare malas embarque imediato montanhas.