Quando nos falam sobre pessoas que caíram no golpe do bilhete premiado, ou que acreditaram estar escutando, pelo telefone, as súplicas de um filho sequestrado e acabam entregando seu dinheiro nas mãos de golpistas inescrupulosos, logo pensamos que nós não seríamos pegos. Não seríamos tão ingênuos. Não seríamos tão trouxas.
Daqui pra frente, serei mais cuidadosa, mais atenta, mais malandra - menos eu. Efeito colateral da tecnologia: se os estelionatários são avatares, é sendo um avatar de mim mesma que reagirei.
Corta para a véspera de Natal. Você está exausta em frente ao computador, de coração mole e com os neurônios fritando, quando recebe uma mensagem de uma amiga pelo WhatsApp. Você sabe que ela anda com problemas financeiros, e está fazendo o que nunca fez: pedindo um empréstimo. Precisou fazer algumas transferências bancárias e excedeu o limite do dia, faltou fazer mais uma, você poderia fazer por ela? Logo ela irá te ressarcir. Você, sendo uma pessoa vivida, pegaria o telefone e ligaria para ela para combinar a transação, mas você não telefona. Você faz o depósito online. Parabéns, você foi pega. Você é ingênua, sim. Você é trouxa, sim.
Esta é mais uma crônica da série "Até que acontece com a gente". Sempre tão atinada, caí feito um patinho neste golpe eletrônico já tão divulgado. Minha amiga teve o celular clonado, não era ela que estava falando comigo, lógico. Meus amigos me consolam dizendo: "Martha, você tem bom coração, não deve se envergonhar, quis apenas ajudar". Pois é, mas de que adianta ter bom coração num planeta fake? Não temos mais o direito de confiar, de permitir que a vida flua sem o radar ficar ligado 24 horas. Não podemos escutar "te amo" acreditando que é amor mesmo, vá que seja por interesse. Ao ouvir um "te devolvo amanhã", é certo que nunca mais verá o que emprestou. Temos sempre que ler nas entrelinhas, desconfiar das intenções, ficar alerta para escapar de tentativas de empulhação. Até as notícias que lemos nas redes sociais não são notícias, e sim desinformação planejada para manipular nossos pensamentos e opiniões. O que mais falta para virarmos uma sociedade de paranoicos?
Daqui pra frente, serei mais cuidadosa, mais atenta, mais malandra - menos eu. Efeito colateral da tecnologia: se os estelionatários são avatares, é sendo um avatar de mim mesma que reagirei. Não bloquearei minhas contas nem me mudarei para o meio do mato: irei me adequar, providenciarei os ajustes necessários, começando por fazer as pazes com o analógico.
Falar mais com as pessoas, e não apenas me comunicar via digital. Escutá-las. Se não ao vivo, que seja pelo telefone, aquele aparelhinho incrível que, antes de virar um transmissor de gravações e mensagens abreviadas, permitia que ouvíssemos a voz do outro em tempo real.
Alô? Tudo bem com você? Que bom te ouvir.