— Ah, que prazer em falar para a Zero Hora. É do meu querido Rio Grande!
As primeiras palavras ditas por Carlos Nejar durante a entrevista foram para enfatizar o amor que sente pela sua terra. Afinal, ele se considera um homem do pampa. E as obras do autor, acumuladas em seus mais de 60 anos de carreira, expressam esse carinho pelo Estado — e é claro que todo esse sentimento também estaria em seus dois mais recentes lançamentos: Senhora Nuvem (Life Editora) e A República do Pampa (Casa Brasileira de Livros).
— O Rio Grande tem uma magia quase desconhecida no resto do Brasil. O Rio Grande é épico. E esses livros meus são épicos, mas não é uma épica antiga. A épica antiga era o canto do herói passado. A minha épica é do tempo que se vai formando. Há uma práxis, uma transformação da realidade, da história pela palavra. E a palavra se torna história — pontua.
Com sua voz mansa e arrastada, fazendo uma grande pausa entre uma frase e outra, o porto-alegrense de 83 anos, mesmo vivendo há mais de três décadas fora do Estado — atualmente, ele mora no Rio de Janeiro —, afirma que o Rio Grande do Sul jamais o deixa. Está entranhado desde a época em que transitou pelos pagos gaúchos como procurador de Justiça, indo de comarca em comarca:
— E eu não preciso estar aí. O Rio Grande está na minha palavra. Basta. Paixão e amor não se explicam, existem. Eu andei vagando pelo pampa, esse pampa ficou na alma e a alma ficou na palavra. Como é que eu vou explicar isso?
Mas quando pisa em solo gaúcho, enfatiza que "toneladas de emoção" tomam conta dele, que é um "sobrevivente", uma vez que, quando anda por Porto Alegre, encontra homenagens a amigos que já se foram, seja em nomes de ruas ou em centros culturais, mostrando que o tempo é implacável e nunca para de correr.
— Eu conhecia todas as ruas de Porto Alegre. Hoje, às vezes, eu não reconheço. As coisas vão mudando muito. O tempo vai mudando as coisas. Mas há um Rio Grande eterno, que não está preso mais ao tempo. Essa terra que respira aqui no meu coração é uma terra perene. Não muda com as estações. É um Rio Grande que não morre — declara.
Os novos livros
Os novos livros de Carlos Nejar foram lançados pelo autor em Porto Alegre em março, em uma sessão de autógrafos no Theatro São Pedro, espaço que ele considera um monumento da cultura do Estado. Senhora Nuvem é a união de ficção, ensaio e poesia. Mas o próprio autor faz um adendo, dizendo que, na verdade, "é mais prosa do que poesia". Sobre o enredo da obra, ele prefere que não se entre em detalhes, porque "perde a graça" e ele acredita que é o leitor quem tem que descobrir e reinventar o texto.
— Nele, existem vários gêneros, mas, para mim, só existe um, que é o gênero humano. E eu nunca me preocupo com o enredo, é o enredo que se preocupa comigo. Quando escrevo, nunca sei o começo, o meio e o fim, eu simplesmente começo e pronto — afirma sobre o livro que traz de volta a personagem criada por ele em 2003, que já apareceu em suas obras como uma "Dom Quixote de saias" e até como candidata à presidência.
E mesmo que não seja o tema central, a paixão de Nejar está em Senhora Nuvem. Nas disposições gerais da obra, bem no começo do livro, o autor escreve: "Saí do pampa e me pergunto se devia ter feito concessões".
Já A República do Pampa é uma reunião de quatro poemas seus, O Campeador e o Vento (este muito querido por Mario Quintana), Canga (Jesualdo Monte), A Espuma do Fogo e República da Infância. Todos dentro do assunto que é mais caro ao poeta: o Rio Grande do Sul.
— Esse é o meu livro de amor. E eu chamo a atenção para ele pela importância, independentemente de mim, porque foram todos eles (os poemas) dedicados ao Rio Grande do Sul — explica.
Senhora Nuvem pode ser adquirido no site da Life Editora e A República do Pampa pode ser comprado pela Amazon.
Vem mais por aí
A lista das obras publicadas por Carlos Nejar é extensa. Ele próprio não sabe quantas foram no total, entre romances, poemas, ensaios, contos, críticas literárias, traduções e literatura infantojuvenil:
— Prefiro nem pensar. Eu não quero contar. As coisas no pensamento não se contam — assinala.
O poeta prefere economizar a energia da contabilidade do passado para trabalhar no futuro. Senhora Nuvem e A República dos Pampas mal saíram de suas respectivas gráficas, mas ele já está projetando os seus próximos passos: o mais grandioso deles é reunir todos os seus romances, entre os publicados e os inéditos, em uma grande coletânea, lançada em dois tomos. Para tal, ele aguarda o OK de uma editora de Portugal, que publicará a obra primeiro por lá. Depois, a intenção é trazer a coleção de textos ao Brasil.
— Tenho vários romances inéditos. Vai haver uma verdadeira surpresa, pela unidade e pela busca de invenção na linguagem — adianta o escritor, que já escolheu o título para a coleção: O Procurador de Almas. — Eu não passo de um procurador de poemas e de vivências, de almas. É uma obra gigantesca e, com ela, vão ter ideia da minha ficção, que é muito mais inovadora até do que a minha percepção da própria poesia.
Também ensaísta, Nejar trabalha atualmente na quarta edição de História da Literatura Brasileira. O livro deve ser lançado ainda no primeiro semestre deste ano. E além de todos os seus projetos como autor, ele ainda pretende voltar a advogar. Aposentado do Ministério Público, alega que ainda tem "algum fôlego" para trabalhar com Direito.
— Me convidaram, e eu vou aceitar. Estou em uma nova infância nos meus 83 anos — conta. — Estou com muitos projetos. Ainda bem.
ABL
A influente publicação norte-americana Quarterly Review of Literature, em seu cinquentenário, em 1993, escolheu o poeta como um dos grandes escritores da atualidade, sendo o único representante brasileiro. Ele também foi posto entre os 10 poetas mais importantes do Brasil pela revista Literature World Today, em 2002. Nejar ainda foi considerado um dos 37 poetas-chave do século, entre 300 autores memoráveis, no período compreendido de 1890 a 1990, pelo crítico suíço Gustav Siabenman, em Poesia y Poéticas del Siglo XX en la América Hispana y el Brasil, em 1997.
Ele ocupa, desde 1989, a cadeira de número 4 da Academia Brasileira de Letras (ABL) — a qual ele diz estar em uma "nova e maravilhosa etapa", ao abrigar grandes artistas, como Fernanda Montenegro e Gilberto Gil. Conceituado e premiado, ele foi indicado pela instituição ao Prêmio Nobel de Literatura em 2017 (instituições do mundo inteiro podem indicar autores, o que não significa uma chancela oficial da Fundação Nobel). Apesar de não conquistar a distinção, Nejar se mostra grato pelo movimento realizado pelo ABL.
— Olha, eu vejo isso com muita humildade. Porque a palavra é bem maior do que eu. Eu fui indicado por várias instituições, tanto do Brasil quanto do Exterior, mas o milagre do Nobel é um milagre de Deus. Porque o Brasil não tem sido lembrado. Nunca ganhou o Nobel. Agora, pode ocorrer um milagre, não é? É uma honra para mim, mas eu me sinto pequeno — diz.
Como um bom crítico que também é, ele analisa como foi avançando em suas mais de seis décadas de carreira, misturando autoavaliação, poesia e, claro, o pampa:
— Com o passar do tempo, eu vou me tornando mais humano, mas também mais sofrido. Como se o vento estivesse dentro de mim. E o vento sopra. O vento é universal. O vento existe desde o princípio do mundo. E continua soprando. É o minuano.