Lumière! A Aventura Começa passou rapidamente pelo Guion Center em dezembro, mas quem perdeu um dos filmes mais instigantes dos últimos anos ainda tem a chance de vê-lo: o longa de Thierry Frémaux voltou a cartaz nesta quinta-feira (4/1) na Cinemateca Paulo Amorim.
Trata-se de uma compilação de curtas de 50 segundos realizados pelos irmãos Auguste e Louis Lumière e seus operadores de câmera entre 1895, data da primeira sessão pública de cinema, na França, e 1905, ano em que o fascínio da nova arte já havia se tornado um fenômeno global.
É esse fascínio que Frémaux discute, ao apresentar 108 dos mais de 1,4 mil filmetes produzidos pela pequena indústria de produção montada pelos precursores da mais nova das linguagens artísticas.
O olhar do presidente do Instituto Lumière e diretor-geral do Festival de Cannes é o de um crítico e pesquisador, que organiza essa produção em blocos temáticos, temporais ou de estilo, para que o espectador a acesse absorvendo toda a sua riqueza – nem sempre perceptível quando se assiste a cada curta isoladamente.
Em alguns casos, essa riqueza está na composição dos planos, cuja profundidade de campo antecipa em décadas o que só seria celebrado a partir, por exemplo, de Orson Welles. Em outros, na capacidade de revelar costumes – Frémaux chega a dizer que o desfile de burgueses de As Escadarias da Pont de l'Alma (1900) faz renascer, à frente do espectador, a Paris eterna de Proust.
É possível antever, nos filmes curtos dos Lumière, o sentido narrativo de Griffith, o close de Dreyer, o enquadramento das paisagens de Ford (citado por Frémaux ao comentar a obra-prima Fila Indiana numa Geleira com Sapatos de Neve, de 1899) e das relações familiares de Ozu (lembradas em Fumantes de Ópio, rodado no Vietnã entre 1899 e 1900).
A câmera é ela própria objeto do fascínio de crianças de uma aldeia em A Vila de Namo (1900). Posicionada em uma liteira, ela registra o lugarejo em um travelling, com os pequenos correndo para alcançá-la. "Nessa perseguição, uma menina sairá vencedora", narra Frémaux, referindo-se à garotinha cuja expressão de encantamento está eternizada como uma das mais belas imagens da história do cinema.
Lumière! A Aventura Começa é um filme gigante porque resgata esse encantamento justamente em um momento marcado pelo bombardeio visual, era de smartphones e de superblockbusters, em que a imagem que não está a serviço de algo (uma narrativa, um documento) parece ter perdido o seu valor intrínseco.
Como poderia perdê-lo? É o que parece perguntar Frémaux, que voltou ao princípio de tudo para mostrar como o cinema, com suas imagens em movimento, é e sempre será capaz de fascinar.
Lumière! A Aventura Começa
De Thierry Frémaux
Documentário, França, 90min, 12 anos.
Em cartaz em Porto Alegre na Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana.
Cotação: ótimo.