Olho com uma certa comiseração para aqueles que se jogam com fé e fúria nas trincheiras da polarização. Não falo dos líderes que encabeçam os extremos — esses jogam um jogo frio, calculado, pragmático. Me refiro aos milhões que vestem a camiseta, inflamam os grupos de WhatsApp e repetem slogans com devoção. São os que acreditam de verdade no “nós temos razão” e “eles são o pior que existe no mundo”.
São os inocentes úteis — ou, mais precisamente, os inocentes inúteis. Porque, ao fim e ao cabo, quando os acordos são costurados nos bastidores, são os primeiros a serem esquecidos. Já vi esse filme. Muitas vezes. Em quase três décadas cobrindo política, perdi a conta dos inimigos mortais que viraram aliados de ocasião.
Geraldo Alckmin, atual vice-presidente, foi durante anos um desafeto figadal do PT. Acusava, era acusado. Até que virou socialista. Entrou na chapa de Lula como se sempre tivesse estado ali. E foi à posse do presidente do Irã, ladeado por um bando de terroristas. Alckmin teria vergonha de Alckmin.
Não é apenas sobre o ex-tucano. É sobre um padrão. Lula, que atacava José Sarney com a fúria dos justos, fez dele conselheiro de primeira hora quando precisou dos votos do MDB. Bolsonaro, eleito vociferando contra a velha política, governou de mãos dadas com ela.
Não quero aqui generalizar. É na política que a vida se organiza. Precisamos dela. Há bons políticos no Brasil. Vários. Mesmo que estes, muitas vezes, fiquem meio de lado no baile, sem parceria para dançar.
Há bons políticos de esquerda, de centro e direita. Isso não significa concordar com todos, mas sim reconhecer neles a ética e o compromisso real com as pessoas que votam neles. Além do mais, ceder e perdoar são atitudes nobres, desde que amparadas por valores e princípios.
Por isso, por mais tentador que seja, não me atiro mais no jogo de auto colagem de etiquetas “nós, os bons” e “eles, os demônios”. Porque sei como vai acabar: em pancadaria e quebra-quebra ou com um falso apelo à união e uma velha — e sempre eficiente — divisão de cargos.