O papa é pop. E não é de hoje. A morte do papa Francisco ofuscou o noticiário, viralizou no zap da família. Não se fala em outro assunto. Desconfio que se o papa tivesse morrido no domingo de Páscoa muita gente teria se esquecido de Jesus. Apenas um ser humano ousou dizer ser maior do que Jesus. Esse cara foi John Lennon, o pai dos Beatles, a banda mais pop de todos os tempos (depois dos Stones, né, Jaime?).
Não é de hoje que líderes religiosos têm ofuscado as divindades. Tem pastor, padre, pai de santo, médium, bispo, pajé, frei, mãe de santo, presbítero, cardeal e, por aí vai, que são mais procurados do que Deus e todos os outros deuses e deusas, entidades, espíritos e orixás que a gente possa listar. Quando o jovem Hamlet diz ao seu amigo Horácio: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha vossa vã filosofia”, é a respeito dessa interferência a que ele se referia.
Que interferência, Mugnol? Então, vem que no caminho eu te explico. Hamlet diz essa frase no Ato I, Cena V, após ter conversado com o fantasma de seu pai. Harold Bloom, o estudioso mais pop de Shakespeare (autor da peça Hamlet), explica que o fantasma não é apenas uma ilusão. O fantasma representa uma intromissão do além que desafia as explicações racionais, filosóficas e tal. Numa livre adaptação ao contexto religioso, poderíamos dizer que muitos têm buscado acessar o mundo espiritual através de pessoas (sendo elas líderes religiosas ou não).
A dita “vã filosofia” poderia ser traduzida por “vã religiosidade”. Ou ainda, um tendencioso apego a uma pessoa a quem nos identificamos, porque parece que dessa forma teríamos um acesso facilitado ao divino ou, pelo menos, um interlocutor que nos ajudasse a compreender os mistérios da vida. Sei que não é tão simples como parece ser. Não se trata de parar de comprar frutas e legumes no supermercado e começar a plantar o que comemos. Contudo, cada dia mais careca, nem por isso mais sábio, compreendi que os intermediários podemos nos confundir.
A espiritualidade ou a religiosidade, o acesso ao sagrado ou ao profano, a escolha por um caminho de luz ou de trevas, pouco tem a ver com a experiência individual de cada um, por causa da voz do líder. Não vem ao caso, mas poderia citar os desenganos de homens cheios da presença de Deus, que conduziram seu povo às trevas. Está lá na Bíblia. Assim como leprosos ajudaram, mesmo que indiretamente, a alimentar a fé das pessoas. Ou seja, acessar o nirvana, o sobrenatural, evoluir espiritualmente ou transcender desse mundo, deveria ter pouco a ver com o interlocutor.
Há mais coisas entre o céu e a terra, entre o sagrado e o profano, do que sonha vossa fé (cega) nas pessoas. Escrevo isso enquanto milhares visitam o velório do papa, registrando com selfies sua devoção a Jorge Mario Bergoglio que, um dia, foi tratado como Sua Santidade.
Até breve caro Bergoglio. Continuamos esse papo noutro dia, seja lá onde for esse céu para onde o senhor foi. O senhor, que era um cara bem-humorado, há de entender essa minha vã filosofia.