Não é uma ameaça. Nem um conselho, desses que ninguém pede, mas a gente dá, achando que ajuda a construir um mundo melhor. A edição de fim de semana de Zero Hora, que ainda não li, deve estar salpicada de textos comoventes e de imagens tocantes. Domingo é Dia dos Pais. Parabéns ao meu, a mim, a todos, às mães que são pais, aos pais que nunca foram, aos que cuidam e ensinam limites, mas não se transformam em barreiras.
Meu jeito de falar sobre a data veio de Brasília. Um release sobre uma proposta de lei que dificilmente será aprovada, mas que tem o mérito de nos dar um pequeno e saudável susto. O projeto, de autoria do senador Lasier Martins, prevê a responsabilização dos filhos que abandonarem os pais na velhice. Ninguém iria para a cadeia, já que a iniciativa transita pela esfera cível e se propõe a alterar o Estatuto do Idoso. Mas doeria no bolso.
Meu pai presidiu voluntariamente, por mais de uma década e meia, o Asilo Padre Cacique. Não foram poucas as vezes em que relatou, sem citar nomes nem características específicas, casos de filhos que chegavam à instituição com carrões importados, pedindo vaga para o pai e alegando não terem recursos para bancar a estadia, em casa ou em algum lar que cobrasse pelo serviço.
Relações familiares são complexas, por mais saudáveis que sejam. Aliás, uma coisa tem a ver com a outra. Faz alguns anos, eu ainda fazia terapia quando, durante uma sessão, enveredei por um caminho meio torto, expondo carências que me pareciam absolutamente legítimas. O psiquiatra me olhou e, sem qualquer traço de julgamento, apenas perguntou: " Quantos anos tu tens hoje e quantos anos teus pais têm?". A indagação teve um efeito imediato, libertador, com algumas pitadas de constrangimento.
Não se trata simplesmente de uma inversão de papeis, tantas vezes alardeada como necessária e inevitável. Nada disso. Meu pai, aos 87 anos, cuida de mim até hoje. Sempre vai cuidar, tenho certeza. O transformador é saber que eu também posso, devo e gosto de cuidar dele. Do meu jeito imperfeito, incompleto, às vezes tenso com as obrigações do trabalho, as contas, as expectativas, as culpas.
Cuidemo-nos. Longe de mim ser um filho perfeito, menos ainda um pai. A aceitação do imperfeito é uma canção de ninar que cantamos para nós mesmos.
Feliz dia, pais.