
O 21º Fantaspoa começa nesta quarta-feira (9). Essa informação é suficiente para empolgar muita gente. Mas há uma multidão de pessoas que nunca foram assistir aos filmes ou até desconhecem a existência do Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre — mesmo que o evento já integre o calendário cultural da Capital há mais de duas décadas.
Um termômetro é a enquete que realizei no canal da coluna no WhatsApp. Oito por cento dos seguidores responderam que veem pelo menos 10 filmes a cada edição do festival, 7% assistem a pelo menos cinco títulos, e 12,5% só conseguem ir a uma ou no máximo três sessões. A opção "Nunca fui" foi a mais votada, com 44%. E 28,5% dos leitores disseram que nem conhecem o Fantaspoa.
A história do Fantaspoa começou em 2005, quando quatro amigos que integravam o Clube de Cinema de Porto Alegre — João Pedro Fleck, Nicolas Tonsho, André Kleinert e Davi de Oliveira Pinheiro — viajaram para assistir a um festival na Cinemateca Uruguaya, em Montevidéu. Ainda no país vizinho, eles começaram a conversar sobre como seria legal se Porto Alegre tivesse um evento semelhante, principalmente um de gênero fantástico, aos moldes do Fantasporto, em Portugal, e de Sitges, na Espanha.
— Quando voltamos, propusemos uma pequena mostra, com 12 filmes, que aconteceu na Cinemateca Paulo Amorim e na saudosa Sala P.F. Gastal. Este foi o pequeno embrião deste grande monstro que se tornou o Fantaspoa — lembra Fleck, 42 anos, que assina com Tonsho e João Pedro Teixeira a direção da 21ª edição.
Cem filmes em cinco cinemas
A palavra monstro alude, por um lado, aos personagens que costumam povoar os títulos exibidos no Fantaspoa, embora o evento não se restrinja ao terror ou à ficção científica — há comédias, animações, policiais, às vezes documentários e até musicais. (Às vezes, o passeio pelos gêneros acontece dentro do mesmo filme.)
Também sinaliza para o tamanho do evento: em 2025, cem longas-metragens serão exibidos em cinco endereços da Capital — Cinemateca Capitólio, Cinemateca Paulo Amorim, CineBancários, Sala Redenção e Instituto Ling.
Volta ao mundo sem sair de Porto Alegre

Como o nome do festival promete, pode-se dar uma volta ao mundo sem sair da cidade: os filmes são assinados por diretores de 42 países, como Argentina (Gatilheiro, 2024, de Cris Tapia Marchiori), Austrália (Sal Sobre a Língua, 2024, de Parish Malfitano), Emirados Árabes Unidos (Três, 2024, de Nayla Al Khaja), Espanha (Rich Flu, 2024, de Galder Gaztelu-Urrutia) e Finlândia (The Creeps, 2025, de Marko Mäkilaakso). (Clique em fantaspoa.com para conferir sinopses, datas, horários e locais das sessões.)
"Cagados de Medo" no Madrugadão Fantaspoa

Pode-se também virar a noite sem sair do cinema. A partir das 23h do dia 19 de abril, na Capitólio, ocorre o tradicional Madrugadão Fantaspoa, com a exibição de quatro filmes em sequência, incluindo Cagados de Medo (Canadá, 2024), de Vivieno Caldinelli, sobre um encanador, seu filho germofóbico e uma criatura sedenta por sangue, e Trizombie (Bélgica, 2024), de Bob Colaers, em que só as pessoas com síndrome de Down escaparam de um vírus que transformou a população da Terra em zumbis.
Pode-se, ainda, nem estar em Porto Alegre para acompanhar o Fantaspoa. Parte da programação estará disponível online e gratuitamente para todo o Brasil na plataforma Darkflix.
Lançamentos mundiais
O Fantaspoa já adquiriu tanto prestígio que muitos títulos fazem em Porto Alegre suas primeiras exibições mundiais. Nesta edição, é o caso de, entre outros, Discórdia (Bélgica), de Matthieu Reynaert, Apanhador de Almas (Brasil), de Nelson Botter Jr e Fernando Alonso, Sombra de Deus (Canadá), de Michael Peterson, e Fraquezas (EUA), de Ryan Oksenberg.
Clássicos com música ao vivo

Mesmo olhando para o novo, o Fantaspoa não descuida da memória. Como já é tradição, o festival começará com a sessão musicada de um clássico, no Instituto Ling. O filme escolhido está comemorando seu centenário: O Fantasma da Ópera (1925), de Rupert Julian, será exibido com música ao vivo, interpretada pelo violonista argentino Germán Suane. A atuação de Lon Chaney como Erik, o fantasma assassino que assombra a Ópera de Paris, é lendária.
Sessão interativa
E no dia 11, na Cinemateca Capitólio, haverá outra celebração com data redonda: o cinquentenário de The Rocky Horror Picture Show (1975), de Jim Sharman, com uma sessão interativa — os espectadores serão estimulados a interagir. Depois, poderão participar da festa Fantaspoa Toda la Noche.
Chance rara ou única de ver filmes imperdíveis

As sessões dos filmes inéditos podem ser as únicas no Brasil. São raros os títulos do Fantaspoa que depois têm lançamento comercial no país. Alguns pelo menos chegam ao streaming, mas é melhor aproveitar o festival de 2025 para assistir a preciosidades como Dead Mail (EUA, 2024), de Joe DeBoer e Kyle McConaghy, Um Fantasma (Irlanda, 2024), de John Farrelly, Um Filme de Celular (EUA, 2024), de Will Sterling, Garota América (República Tcheca, 2024), de Viktor Tauš, Lotus (Letônia/Lituânia, 2024), de Signe Birkova, e Sanduíche Quente (Uruguai/Argentina, 2024), de Manuel Facal. (Vou escrever sobre esses títulos em uma próxima coluna.)

Aliás, vale listar 30 joias recentes que eu conheci por causa do Fantaspoa (sorte de vocês que uns e outros estrearam no cinema ou apareceram nas plataformas depois):
- Ausente (Finlândia, 2019), de Arttu Haglund
- Butt Boy (EUA, 2019), de Tyler Cornack
- A Dark, Dark Man (Cazaquistão, 2019), de Adilkhan Yerzhanov
- Estranho (Ucrânia, 2019), de Dmitriy Tomashpolskiy
- Uma História Cabeluda (Irã, 2019), de Amir Homayoun Ghanizadeh
- Pedra, Papel e Tesoura (Argentina, 2019), de Macarena García Lenzi e Martín Blousson
- Zana (Kosovo, 2019), de Antoneta Kastrati
- Zumbis no Canavial: O Documentário (Argentina, 2019), de Pablo Schembri
- Barry Fritado (África do Sul, 2020), de Ryan Kruger
- A Cabeleireira (EUA, 2020), de Jill Sixx Gevargizian
- Dois Minutos Além do Infinito (Japão, 2020), de Junta Yamaguchi
- História do Oculto (Argentina, 2020), de Cristian Ponce
- Jumbo (Bélgica/França/Luxemburgo, 2020), de Zoé Wittock
- A Risada (Canadá, 2020), de Martin Laroche
- O Grande Salto (Irã, 2021), de Karim Lakzadeh
- Neptune Frost (EUA/Ruanda, 2021), de Saul Williams e Anisia Uzeyman
- Quem Vai Ficar com Masha? (Rússia, 2021), de Kirill Sokolov
- Rabo de Cavalo (Índia, 2021), de Manoj Leonel Jason e Shyam Sunder
- Soul of a Beast (Suíça, 2021), de Lorenz Merz
- A Tristeza (Taiwan, 2021), de Rob Jabbaz
- As Bestas (Espanha, 2022), de Rodrigo Sorogoyen
- Bom Garoto (Noruega, 2022), de Viljar Boe
- Era Uma Vez no Futuro: 2121 (Turquia, 2022), de Serpil Altin
- Megalomaníaco (Bélgica, 2022), de Karim Ouelhaj
- A Mesa da Sala de Jantar (Espanha, 2022), de Caye Casas
- Suaves e Discretas (EUA, 2022), de Beth de Araújo
- Terceira Guerra Mundial (Irã, 2022), de Houman Seyyedi
- O Tio (Croácia, 2022), de David Kapac e Andrija Mardesic
- Com Amor e um Órgão Essencial (Canadá, 2023), de Kim Albright
- A Última Vingança (Canadá, 2023), de Karl R. Hearne
Como as nacionalidades e até os títulos desses 30 filmes sugerem, o festival mostra que um outro cinema é possível. As obras selecionadas fogem muito do convencional, do formulaico, da embalagem pronta para consumo universal. Diretores e roteiristas costumam desafiar o espectador a propor interpretações ou, no mínimo, a descobrir para onde a história está indo — a imprevisibilidade talvez seja a única coisa previsível no Fantaspoa.
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano