Berço de formação de muitos políticos brasileiros ao longo da história, os diretórios e centros acadêmicos das universidades têm passado por esvaziamento nos últimos anos. Entre o desencanto de jovens com a política partidária, o período da pandemia e a necessidade de adaptação de estruturas representativas tradicionais, alunos engajados vivem o desafio de envolver os colegas em atividades do movimento estudantil no Ensino Superior.
Segundo dados da União Nacional dos Estudantes (UNE), antes da pandemia, os encontros do Conselho Nacional de Entidades Gerais (Coneg), que reúne diretórios centrais de estudantes (DCEs), chegavam a concentrar 800 organizações representadas. Entre 2020 e 2021, o número sofreu uma queda drástica, chegando a entre 200 e 300.
Em julho do ano passado, uma reação se esboçou – a quantidade subiu para 400. No próximo Coneg, marcado para os dias 17 e 18 de abril, a expectativa é de alcançar quase 600 credenciados.
Carlos Daniel Vieira, 25 anos, está no quarto ano do curso de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e, apesar da dedicação exigida em sua graduação, decidiu concorrer às eleições para o DCE, por sentir que a gestão anterior não lhe representava.
— Eu entrei no movimento estudantil muito cedo, quando tinha 12 para 13 anos, e participei de toda aquela mobilização de ocupação das escolas, mas, quando entrei na universidade, demorei até entrar na sala do DCE, porque não me sentia representado. Parecia algo muito parado, que até tentava mobilizar, mas parecia, às vezes, não conversar com o cotidiano do estudante — conta Carlos.
Pensando em mudar o perfil do diretório e levar para dentro dele a diversidade trazida pela política de cotas, o jovem decidiu se candidatar, em 2023, a coordenador-geral do DCE. O espaço era administrado há muitos anos por uma mesma administração. A tentativa deu certo: sua chapa venceu.
— Enquanto a gente acompanhava a apuração, percebemos que o número de votos estava muito mais alto do que imaginávamos. Acho que foram 1,4 mil, a maior votação da história da universidade. A gente entendeu o recado: ok, acho que existe um movimento que vai crescer na universidade e do qual, provavelmente, vamos ser porta-voz. Temos uma responsabilidade muito grande depois dessa eleição — pontua o estudante.

O primeiro ano de gestão foi desafiador, com enchente, mobilização por doações e mapeamento dos estudantes atingidos. O foco tem sido incluir o diretório no cotidiano da cidade – foi promovido o primeiro trote coletivo aos calouros da instituição, os dirigentes têm feito campeonatos, festas, se aproximado de espaços parlamentares e acompanhado pautas como a redução dos horários de viagens da Trensurb e a segurança.
A diversidade de áreas de atuação, para Carlos, é a chave para alcançar todos os alunos da UFCSPA.
— Acho que o perfil do aluno da UFCSPA não é o de pessoas que participam de protestos, por exemplo, mas o fato de o DCE participar e sentar com deputados para falar de pautas como a moradia estudantil, que a gente não tem, é importante. Recentemente, convidamos o escritor Jeferson Tenório para participar de um evento depois de relatos de alguns casos de racismo aqui dentro e o auditório ficou completamente lotado. Outras pessoas gostam de festas, como a calourada. O aluno pode não participar dessas articulações, mas pode trazer as suas demandas pra gente — observa.
No entendimento de Carlos, a maioria dos jovens não tem tempo para participar ou não gosta de política, especialmente a partidária, o que sente que tem a ver com a política “não ter conversado com os jovens por muito tempo”.

— Eles (os jovens) acham que a política é partidária, que são sempre os mesmos de sempre, que é muita roubalheira e, por isso, não participam. É uma série de fatores que, para serem mudados, é preciso estar presente no cotidiano deles — analisa o coordenador-geral.
Entre as conquistas que o movimento estudantil já teve na instituição, Carlos destaca a inauguração do restaurante universitário (RU). A próxima, espera, é a redução do valor da refeição nele, que hoje é de R$ 3,75.
Sem DCE
Em instituições como a Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), não há DCE constituído. No caso da Unipampa, que opera com campi em diferentes municípios do Rio Grande do Sul, nunca houve diretório central, o que, de acordo com a representante discente Nathália Pinheiro Martins, tem se tentado criar.
— A distância geográfica entre os campi e as atividades acadêmicas constantes dificultam um pouco. Criou-se um rascunho de estatuto, mas, por enquanto, ainda não foi para frente.
Em alguns campi, como o de Alegrete, há centro acadêmico. Em outros, como Jaguarão, não. Nathália diz que boa parte dos cursos tem diretório acadêmico, muitos deles dedicados a promover atividades culturais, acadêmicas e sociais. Além disso, cada curso de graduação e pós-graduação, comissão e conselho da universidade possui representantes discentes.
Nesses espaços, são discutidos assuntos como as Casas do Estudante, os RUs e o transporte para os campi.
Na UFPel, a última eleição para DCE aconteceu em 2022 – desde 2023, não há gestão. A coordenadora de Políticas Estudantis da instituição, Rosane Brandão, não sabe dizer quantos CAs e DAs estão ativos atualmente, mas entende que o movimento estudantil se organiza de uma maneira diferente da conhecida anteriormente.
— Após 1964, tivemos uma ditadura empresarial-militar, e o movimento estudantil foi fundamental e apareceu muito. Na década de 1980 tivemos as Diretas Já, depois a Constituinte, e o movimento estudantil estava lá. Nas últimas décadas o movimento estudantil seguiu organizado, mas, com o desenvolvimento da tecnologia, acho que eles estão enfrentando uma maneira diferente de se organizar, com demandas diferentes, também — analisa Rosane, ressaltando que não fala pelo movimento estudantil.
A coordenadora cita o exemplo das eleições da reitoria da UFPel no ano passado, organizadas por uma série de entidades, entre elas a Mesa de Diretórios Acadêmicos, que assume o posto do DCE nessa composição quando ele não está ativo. O grupo é formado por representantes dos diversos DAs existentes na instituição.
A representação estudantil também existe no Conselho Universitário, o que faz com que Rosane ache que a não existência de uma gestão no diretório não é “uma coisa tão problemática”, já que há espaços de representatividade.
Apatia
Coordenador-geral do DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Wellington Porto afirma que o diagnóstico que o movimento estudantil tem feito é de que, após a pandemia, surgiu uma geração que entra na universidade “meio apática à política” e a se envolver com espaços como centros e diretórios acadêmicos.
— Tenho conversado com vários "bixos" (calouros) deste ano e muitos deles não tinham nem grêmios estudantis nas suas escolas. Isso reflete também em chegar à universidade e não se envolver. A galera se envolve mais nas atléticas, que são grupos de esportes, que eu não sou contra, mas não desenvolve uma consciência política que é importante — lamenta o estudante de Letras de 26 anos.
O número de centros acadêmicos (CAs) e diretórios acadêmicos (DAs) – espaços representativos dos estudantes de cada curso ou faculdade – em funcionamento dentro da UFRGS é dinâmico. Neste momento, por exemplo, o jovem diz que há uma movimentação maior para reativar essas entidades, pois em junho será realizado o Congresso da UNE.
No entanto, mesmo quando há gestão constituída, nem sempre se envolvem, de fato, nas questões da universidade:
— Na UFRGS hoje é para, em tese, ter 60 CAs e DAs. Participam em torno de 20 e 30, uns porque não gostam de participar dos espaços, outros porque têm outro projeto. Uns são eleitos pelos estudantes, outros são autogeridos — cita o coordenador do DCE, que tem tentado fazer um mapeamento das características de cada entidade.
Para Wellington, um componente, pelo menos entre as federais, foi o fato de, até 2022, um governo que ele entende que aplicou “um projeto de desmonte e ataque à educação” ter se mantido no poder, o que implicou em “várias derrotas” para o movimento estudantil e um desânimo geral dos estudantes. Outro ponto, é a forma tradicional como o movimento ainda é feito, que nem sempre atende aos anseios dos alunos. Para mudar isso, sua gestão tem apostado no projeto DCE Volante:
— Vamos aos campi ouvir não só CAs e DAs, mas também os estudantes, para entender o que eles querem debater, porque, às vezes, o DCE se elege a partir de um projeto político, mas comete o erro de não ouvir a base. Na última eleição, ganhamos com um processo de campanha diferenciado, que hoje é modelo em várias federais brasileiras, que tinha como plataforma a volta do suco no RU. Talvez o debate político disso seja até simplório, mas, no cotidiano do estudante, faz uma baita diferença — salienta o jovem.
No entendimento dele, o debate pode iniciar com o suco do RU, mas ser ampliado para assuntos como orçamento, climatização e qualidade do serviço oferecido. É trabalhando em pautas ligadas à realidade concreta dos alunos, que vai da falta de papel higiênico até resoluções que dificultam a conciliação de estágios e bolsas de iniciação científica, que a gestão consegue acessar os universitários.
— Tem cursos em que tu pode fazer passagem em sala, de curso em que tu não pode, porque o aluno não gosta disso, daí tem situações em que você faz a panfletagem no RU e dá muito bom, aí tem outros temas em que o estudante não tá nem aí. É um teste — resume Wellington, que diz que o DCE da UFRGS hoje enxerga a comunicação nas redes sociais como estratégica para conectar os estudantes aos debates.
Política como algo “sujo”
De modo geral, o brasileiro e o latino-americano não apresentam níveis altos de participação e interesse político, segundo Jennifer Azambuja de Morais, professora do Departamento de Ciência Política da UFRGS e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa sobre a América Latina (Nupesal). Como consequência, participam pouco dos movimentos estudantis. Entre os jovens, o afastamento da política diz respeito a uma visão do tema como algo “sujo”.
— Quando a gente pergunta para os jovens, por exemplo, o que vem à mente quando se pensa em político, em democracia, em política? Vem corrupção, ladroagem, várias palavras muito ruins, todas negativas. Eu não quero ficar ao lado de quem rouba, de quem é corrupto — explica Jennifer.
Outro motivo para o rechaço à política percebido pela pesquisadora é uma percepção dos jovens de que a sua participação não faz diferença.
— Os jovens têm uma percepção de que, seja no bairro, na escola, na universidade, tanto faz o político que esteja lá. Se ele acha que não vai mudar nada participar de uma manifestação contra o aumento da passagem de ônibus e que essa participação demanda tempo, dinheiro e energia, ele não vai engajar — avalia.
A terceira razão para o não envolvimento de jovens com a política, conforme a docente, é a forma de comunicação utilizada:
— Os jovens de hoje são atraídos por uma linguagem diferente, mais rápida, direta e, ao mesmo tempo, mais bonita. Antes, dizer “vamos lutar pelos 20 centavos” já bastava. Agora, a comunicação se dá por outros meios. Os DCEs precisam conseguir se comunicar por Instagram, TikTok, que têm conteúdos mais diretos — analisa.
Em paralelo, há a influência da família, e da escola: se nenhuma das duas conseguir demonstrar a importância da política na vida daquele jovem, ele acabará achando que o assunto não interessa ou não é para ele, sem perceber que a política está em tudo.
— Eu faço palestras sobre participação política em escolas de Ensino Médio e, na chegada, sou recepcionada com caras feias. Durante a palestra, não falo em partido político e nem em nenhum político específico: falo o que é política, o que é participar e mostro para eles, na prática, o que é. Aí, parece que dá um estalo neles: “puxa, mas então eu preciso participar” — conta Jennifer.
Para chamar a atenção dos jovens para a política, a pesquisadora entende que é necessário lhes apresentar uma relação com o tema que não seja negativa e que não envolva apenas a polarização partidária atualmente tão forte. Para isso, é importante utilizar linguagens próximas à realidade deles.
O diretor de Políticas Educacionais da UNE, Diego Ferreira, por outro lado, aponta para números entusiasmantes no contexto do movimento estudantil: ainda que conte com menos DCEs credenciados em seus eventos do que no período pré-pandemia, a entidade reuniu, em janeiro, quase 4 mil centros e diretórios acadêmicos em um só encontro – um recorde de participação.
— Achamos que a relação da UNE com as suas bases tem se consolidado. O fato é que, no pós-pandemia, houve uma dificuldade do próprio movimento estudantil, mas, nos últimos anos, ele tem conseguido se reorganizar. Agora, temos percebido o movimento muito fortalecido — avalia Diego.