Estreiam nesta quinta-feira (7) nos cinemas Espaço Bourbon Country e Sala Eduardo Hirtz dois dos cinco indicados ao Oscar de melhor documentário: 20 Dias em Mariupol (20 Days in Mariupol, 2023), do ucraniano Mstyslav Chernov, e As 4 Filhas de Olfa (Les Filles d'Olfa, 2023), da tunisiana Kaouther Ben Hania.
Essa diretora já havia concorrido ao Oscar antes, na categoria de melhor filme internacional, com a ficção O Homem que Vendeu sua Pele (2020). Por As 4 Filhas de Olfa, Ben Hania recebeu prêmios no Festival de Cannes, no Independent Spirit Awards (dedicado a produções independentes) e no César, da Academia Francesa.
O documentário retrata a vida de uma mulher tunisiana que teve quatro filhas. As duas mais velhas desapareceram, e, para contar sua história, a cineasta escalou duas atrizes que passaram a morar viver com Olfa por um tempo. O filme usa a reencenação como forma de lidar com um trauma, a exemplo de outro título documental recente, No Caminho da Cura (2021).
20 Dias em Mariupol registra o início da invasão da Ucrânia pela Rússia em uma das cidades mais devastadas pela guerra que já dura mais de dois anos. Com experiência em cobertura de conflitos (esteve no Iraque e no Afeganistão), Mstyslav Chernov foi um dos últimos remanescentes da imprensa em Mariupol, no sudeste ucraniano, onde ele próprio e seus colegas correram risco de morte enquanto trabalhavam — mais de uma vez vemos o diretor fugindo ou se escondendo. Embora não apareça na frente da câmera (com uma única exceção), ele próprio é um personagem, narrando os fatos, fazendo reflexões e interagindo com alguns dos 450 mil moradores.
O documentário pode ser considerado o favorito ao Oscar da categoria. Já venceu o Bafta, da Academia Britânica, e o troféu do Sindicato dos Diretores dos EUA, além de ter sido laureado pelo público no Festival de Sundance do ano passado. Foi derrotado na premiação da Associação dos Produtores dos EUA, mas por um filme que não disputa a estatueta dourada da Academia de Hollywood, American Symphony (2023).
Também parece ser o mais polêmico entre os cinco indicados — os outros três são Bobi Wine: The People's President (em cartaz no Star+), de Christopher Sharp e Moses Bwayo, sobre a luta de um astro da música contra o general que está no poder de Uganda há quase 40 anos; To Kill a Tiger, de Nisha Pahuja, sobre uma família da Índia que faz campanha por justiça depois que sua filha adolescente foi brutalmente estuprada; e A Memória Infinita (disponível no Paramount+), da chilena Maite Alberdi, a mesma de Agente Duplo, documentário candidato ao Oscar internacional em 2021, e que agora acompanha um casal às voltas com a doença de Alzheimer.
Para alguns críticos, Chernov é demagogo ao "explorar o sofrimento alheio" e "espetaculariza o horror da guerra", exibindo, por exemplo, crianças mortas e adultos ensanguentados. Uns também reclamam que o filme é "pró-Ucrânia, pró-Estados Unidos, pró-Ocidente", procurando demonizar a Rússia.
Para outros, Chernov é honesto ao expor seu medo, suas dúvidas e seus próprios erros e ao debater sobre o poder das imagens e a ética da profissão. A brutalidade mostrada serve à denúncia de que, ao contrário do que sustentavam as autoridades russas, o exército invasor estava bombardeando prédios civis, inclusive hospitais e maternidades.
Em entrevista a Patrícia Campos Mello na Folha de S.Paulo, o diretor de 20 Dias em Mariupol comentou:
— É a minha terra, a minha comunidade que estão sob ataque. Todas essas bombas não destroem só prédios, destroem nossas memórias. (...) Toda vez que subo num palco para receber um prêmio, minha cabeça não está nesse palco, está em Kharkiv, minha cidade natal, onde uma família com três filhos acaba de ser morta e meus amigos jornalistas estão me mandando imagens dos corpos carbonizados das crianças. Esse é o tipo de sensação que quero transmitir para o público internacional quando falo sobre o filme. Parece tudo muito distante, mas, na realidade, está bem mais próximo do que muita gente pensa. E o desfecho dessa guerra vai influenciar a política internacional durante muitos anos.