Acaba de entrar em cartaz no streaming um dos filmes que se destacaram na edição 2021 do Fantaspoa, o Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre. O canadense A Risada (Le Rire, 2020), está disponível na plataforma Filme Filme, que tem como mantra fazer o usuário "passar mais tempo assistindo ao filme do que escolhendo". Por isso, aposta na tática do menos é mais. Lança poucos títulos por vez e mantém um catálogo enxuto, mas referenciado por festivais como os de Berlim, Cannes e Veneza. A assinatura anual custa R$ 99 (veja o menu e mais informações neste link).
A cena de abertura de A Risada não é o que se espera de um filme com esse título. Em um hospital, uma filha assiste aos estertores da mãe, que chora com raiva: "Foi tudo por nada! Que merda! Estou sozinha!".
O que se sucede após sua morte também é inesperado: a câmera abandona o quarto e mostra o corredor hospitalar, onde, assim que irrompe uma vibrante trilha sonora, médicos, enfermeiras e pacientes começam a dançar.
O último personagem a surgir, em mais uma desnorteante reversão de expectativa, é empurrado para fora de quadro e vai parar em uma fila que se assemelha à de prisioneiros de guerra — há militares armados dando ordens, ouve-se o som de helicópteros.
Só então deparamos com a protagonista, Valérie, e descobrimos que a tragédia prestes a se abater sobre ela acontece oito anos antes da história a ser contada pelo diretor e roteirista canadense Martin Laroche. Em uma interpretação arrebatadora de Léane Labrèche-Dor (preste atenção, por exemplo, no monólogo do mosquito), Valérie é enfermeira em uma casa geriátrica de Quebec. Ali, cuidando dos que estão mais perto de morrer, como a leitora voraz Jeanne (Micheline Lanctôt), ela acabou descobrindo uma nova forma de viver.
Dito assim, parece que, após seu estranho início, A Risada ganha ares de normalidade. Nada disso. Laroche segue surpreendendo o espectador, lançando mão de elementos que lembram uma versão leve do cineasta David Lynch (de Cidade dos Sonhos), como um núcleo de personagens aparentemente desconexos do tempo e do espaço da trama central e a sequência de Valérie em um palco, diante de uma plateia, em uma espécie de show stand-up de comédia.
A essa altura, já estará claro que o filme investe no surrealismo para tratar de um tema muito real (e atemporal): os traumas de guerra, a dor e a culpa dos sobreviventes e dos assassinos, o difícil, mas necessário, e talvez inevitável, movimento de seguir em frente. "A vida sempre continua", diz a protagonista. Resta-nos escolher rir ou chorar.