O Brasil que ainda vive na Idade Média deu as caras na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (27). Por 35 votos a 15, o grupo aprovou parecer favorável a uma mudança na Constituição com o objetivo de impedir o aborto até naqueles casos em que hoje é autorizado excepcionalmente, como em gestações resultantes de estupro, quando há risco de vida para a mãe ou quando o feto é anencéfalo. Essa mudança é de uma crueldade tão grande com as mulheres que parece difícil acreditar que tantas deputadas tenham dado voto favorável.
O que muda? Inclui-se na Constituição um adendo dizendo que a vida começa na concepção. A partir dessa mudança, fecham-se as portas para a interrupção da gravidez, mesmo quando ela é fruto da violência. Obriga-se uma mulher (ou uma menina) a aceitar a consequência de um ato brutal como se isso fosse maternidade.
Que fique claro, não estamos falando de liberação geral e irrestrita do aborto, em nome do direito de escolha das mulheres. Trata-se de casos excepcionais, em que o Supremo Tribunal Federal entendeu como legítima a interrupção da gravidez. Na prática, se a proposta for adiante, significa impedir que meninas abusadas por parentes, conhecidos ou desconhecidos façam um aborto legal, pelo Sistema Único de Saúde, em condições sanitárias adequadas.
O projeto, apoiado majoritariamente por deputados e deputadas de direita, prejudica apenas as meninas e mulheres pobres. Porque quem tem dinheiro seguirá fazendo aborto em clínicas clandestinas de luxo. São as pobres que se submetem a métodos primitivos e muitas vezes morrem de infecção. É repugnante assistir a essas sessões bizarras em que deputados e deputadas, senadores e senadoras, levam miniaturas de fetos para o Congresso, muitas vezes usando o nome de Deus em vão.
Você, mulher, tem o direito de ser contra o aborto e de optar por não fazer se for estuprada. Mas não pode impedir que outra mulher ou criança faça em caso de estupro ou se tiver a certeza de que carrega no ventre um feto sem cérebro, que morrerá ao nascer.
A proposta de 2012, de autoria do ex-deputado Eduardo Cunha, ainda precisa passar por uma Comissão Especial e só se tornará lei se passar na Câmara e no Senado com três quintos dos votos, em dois turnos. Há tempo para barrá-la, mas é preciso desde já mostrar o absurdo que se fez na CCJ sob a presidência de uma mulher, a deputada Caroline de Toni (PL-SC). A comissão tem entre seus membros outros expoentes da direita radical, como Bia Kicis (PL-DF), Delegado Ramagem (PL-RJ), Delegado Éder Mauro (PL-PA), Julia Zanatta (PL-SC) e Pastor Marco Feliciano (PL-SP).
Como votaram
A favor da proibição do aborto: 35 deputados
- Alfredo Gaspar (União Brasil-AL)
- Benes Leocádio (União Brasil-RN)
- Caroline de Toni (PL-SC)
- Cezinha Madureira (PSD-SP)
- Chris Tonietto (PL-RJ)
- Cobalchini (MDB-SC)
- Coronel Assis (União Brasil-MT)
- Coronel Fernanda (PL-MT)
- Dani Cunha (União Brasil-RJ)
- Del. Éder Mauro (PL-PA)
- Delegada Katarina (PSD-SE)
- Delegado Bilynskyj (PL-SP)
- Delegado Marcelo (União Brasil-MG)
- Delegado Ramagem (PL-RJ)
- Diego Garcia (Republicanos-PR)
- Dr. Jaziel (PL-CE)
- Fernanda Pessôa (União Brasil-CE)
- Fernando Rodolfo (PL-PE)
- Flávio Nogueira (PT-PI)
- Gilson Daniel (Podemos-ES)
- Juarez Costa (MDB-MT)
- Julia Zanatta (PL-SC)
- Luiz Gastão (PSD-CE)
- Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP)
- Marcel van Hattem (Novo-RS)
- Marcelo Crivella (Republicanos-RJ)
- Marcos Pollon (PL-MS)
- Marco Feliciano (PL-SP)
- Mauricio Marcon (Podemos-RS)
- Nicoletti (União Brasil-RR)
- Rafael Simoes (União Brasil-MG)
- Ricardo Ayres (Republicanos-TO)
- Roberto Duarte (Republicanos-AC)
- Simone Marquetto (MDB-SP)
- Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR)
Contrários à proibição do aborto: 15 deputados
- Bacelar (PV-BA)
- Célia Xakriabá (PSOL-MG)
- Chico Alencar (PSOL-RJ)
- Dandara (PT-MG)
- Elcione Barbalho (MDB-PA)
- Erika Kokay (PT-DF)
- Gisela Simona (União Brasil-MT)
- Helder Salomão (PT-ES)
- José Guimarães (PT-CE)
- Laura Carneiro (PSD-RJ)
- Luiz Couto (PT-PB)
- Orlando Silva (PCdoB-SP)
- Patrus Ananias (PT-MG)
- Renildo Calheiros (PCdoB-PE)
- Waldemar Oliveira (Avante-PE)