
O pano de fundo de "Ainda estou aqui" é democracia e memória, como lembrou o diretor Walter Salles na entrevista após a consagrada vitória no Oscar 2025 no Dolby Theatre, em Los Angeles.
Democracia e memória... duas palavras enxovalhadas em seu significado nos tempos atuais.
Daí a importância da vitória da obra estrelada por Fernanda Torres e Selton Mello — para além do cinema brasileiro, para além da autoestima de uma nação, para além da cultura. Há um bem intangível para a política (e para a geopolítica) a conquista do Oscar de melhor filme internacional.
Primeiro porque, como disse Salles, a a obra quebra o sistema político binário, a ideia de que ou você é de esquerda ou de direita, ignorando todos os matizes ideológicos. O autoritarismo do qual a família Paiva foi vítima é ruim para todos.
A polarização política é caminho para o arbítrio. E esse não é um problema apenas dos Estados Unidos, palco do Oscar, ou do Brasil, terra do filme vencedor. Tem sido assim na América Latina, na Europa e na Ásia.
A polarização compromete o respeito a regras comuns, o reconhecimento da legitimidade dos adversários, a tolerância, o diálogo. Com dois lados radicalizados, adversários viram inimigos.
Poucos países se salvam dessa visão obtusa das relações políticas. Não à toa, vemos a ascensão de extremismos de direita e de esquerda em diferentes quadrantes, acompanhada, claro, de um velho cheiro de Guerra Fria.
Falemos também sobre memória... A volta de extremismos, filhos diletos da polarização, revela o quanto o esquecimento do passado traz de volta ameaças que pareciam outrora relegadas aos livros de História, inclusive no país que pariu o nazismo.
Não tenho dúvidas de que as redes sociais contribuem para o apagamento da memória: é tudo fragmentado, instantâneo. Não há futuro. Não há passado. Em um ambiente de pós-verdade, onde os fatos importam menos do que as emoções, o esquecimento é o melhor ambiente para o apagamento da democracia.
"Ainda estou aqui", laureado, ajuda a não esquecer.