Há 40 anos, no dia 15 de janeiro de 1985, o Brasil assistiu a eleição de Tancredo Neves para a presidência. Apesar de indireta, esta foi a primeira eleição após a ditadura militar (1964-1985).
O Colégio Eleitoral foi o responsável por eleger o mineiro, que venceu o paulista Paulo Maluf. Quem era deputado federal na sessão e votou em Tancredo Neves foi José Fogaça, ex-deputado estadual, ex-senador e ex-prefeito de Porto Alegre.
Como era o clima no dia?
Era uma coisa impressionante. O clima era de muita tensão, ao mesmo tempo de uma certa euforia contida. Mesmo que soubéssemos que havia maioria para Tancredo, era a primeira vez que em quase 21 anos, se iria eleger um presidente civil. A oportunidade do presidente civil, com a morte de (ex-presidente militar Arthur) Costa e Silva, e que o vice seria um civil, isso não aconteceu. Aconteceu um auto-golpe dentro da própria ditadura, e eles continuaram com militares. Tínhamos um pouco de receio, havia sempre um certo temor de que, no fim das contas, as coisas ficassem, talvez, complicadas. Embora o (ex-presidente militar João) Figueiredo tivesse feito aquela declaração uns dias antes, que "se for contra a democracia, eu prendo e arrebento", de grande repercussão, muito contundente, era aquele clima de pressão, de muita superlotação e um calor enorme, era a gente saindo pelo ladrão, para os borbotões, não tinha lugar para mais ninguém. E nós éramos um grupo que a gente chamava "Só Diretas". Nós estávamos ali com um sentimento de contrariedade, mesclado, ao mesmo tempo com uma grande certeza também de que não havia outra alternativa senão o fato. Mas, de qualquer maneira, tínhamos também a convicção de que não havia outro caminho. Aquela era a única alternativa e qualquer recuo nosso poderia ser, por exemplo, a eleição do Maluf. Sabíamos da maioria, mas também as coisas às vezes são fluídas. A política é assim. Então, estávamos ali quietos, praticamente sem se manifestar, um grande grupo de pessoas de uns 40 deputados, que eram do Só Diretas.
O que era esse grupo?
Era um grupo de deputados chamados autênticos. Havia a linha dos autênticos e dos moderados. Os autênticos, nem todos, mas pelo menos uns 30, 40 nomes, se reuniram e estabeleceram uma posição radical de não ir ao Colégio Eleitoral e só aceitar eleições diretas. Isso era uma espécie de pressão política, tentar se empurrar o sistema para, enfim, adotar as eleições diretas. Nos últimos dias já havia essa ideia, mas na medida em que ia se aproximando do 15 de janeiro, íamos percebendo que as coisas não tinham efeitos e nós fomos pouco a pouco desmanchando o grupo.
O senhor falou que havia um temor. Do que?
Havia entre os militares aqueles que estavam engajados no processo de abertura integral e havia também aqueles que resistiam, que temiam que houvesse algum tipo de virada de mesa. E, obviamente, temiam também que passassem a ser perseguidos na medida em que o regime fosse se desestruturando e uma nova legislação democrática fosse se estabelecendo. Mas a figura do Tancredo Neves realmente foi absolutamente importante, assim, estratégica nesse processo, porque ele era uma segurança para todos os lados de que o princípio da legislação e que a conciliação iria ser mantida e o Brasil iria caminhar pacificamente para a consolidação do processo democrático. Essa era a crença, justamente sobre essa convicção, mas achávamos que era um absurdo votar no colégio eleitoral da ditadura.
Qual a importância desta data?
Naquele momento, os fatos políticos concorreram, naturalmente, para um caminho correto, para um caminho adequado. Talvez uma mudança drástica, onde se estabelecesse um aumento da polarização política, da rivalidade, da contundência, talvez fosse não recomendável, por que haveria uma tensão maior e, quem sabe, seria, dentro disso, aquele grupo mais radicalizado de extrema direita ou de extrema esquerda. Então foi uma tensão muito grande. Mas o importante era distensionar. Ao contrário de estabelecer aquela visão radicalizada do Só Diretas, aqui era o momento de distensionar para que as coisas fluíssem como aconteceu, porque depois disso, em três anos, se conseguiu convocar a Assembleia Nacional Constituinte, e realmente mudou, virou o curso, mudou o curso da história do Brasil, isso sem dúvida nenhuma. A diferença entre as coisas do antes e depois, para quem viveu naquela geração, é uma diferença enorme, uma diferença brutal, absurdamente grande.
Os acontecimentos do dia 8 de Janeiro de 2023 e a tentativa de golpe no fim do ano passado. Isso remete a época da ditadura?
Acho que durante quase 30 anos depois do início da redemocratização, esses grupos ficaram, ao meu ver, nas sombras, ficaram em silêncio. Não sei se eles existiam e nunca se manifestaram ou se eles não existiam e agora surgiram do nada. Eu não sei, mas a verdade é que durante 30 anos ninguém falou mais em ditadura no país. Agora, recentemente, após a ascensão de Jair Bolsonaro, como uma liderança que expressava essa visão, começaram essas vozes em torno de um retorno de um governo militar, de uma intervenção autoritária no Brasil. O 8 de Janeiro foi apenas uma ponta, digamos assim, frouxa e descontrolada desse processo. Foi, digamos assim, um grande exército de Brancaleone, de uns pobres coitados, estimulados por esse clima que veio de fontes muito outras que não aquelas pessoas que deram lá sua cara a tapa, mas aquilo foi muito simbólico. Essa fumacinha de um fogo que estava flutuando em algum lugar com muita força.