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Como as gerações futuras irão lembrar o maior ataque às instituições brasileiras em tempos de redemocratização, ocorrido no último dia 8 de janeiro?
Essa é uma preocupação que historiadores contemporâneos vêm externando desde os ataques daquele domingo em Brasília. Inclusive, há uma ideia, ventilada nos bastidores dos três poderes na semana passada, de preservar, mesmo que vandalizadas, obras que estavam no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF) naquele dia de ataque à demoracia.
Um dos principais pesquisadores brasileiros em Relações Internacionais, o professor Ricardo Seitenfus, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e ex-representante das Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti, postula duas sugestões. A primeira é que, em nome da memória e para que não se repitam erros do passado, os três palácios dediquem uma área com objetos atingidos pelos extremistas reservada à história desse dia, algo como o 11 de setembro de 2001 em Nova York.
- Há uma tendência que é histórica, natural, e não só do Brasil de minimizar, como uma vergonha nacional, as manchas indeléveis nas insituições. Vamos tentar manter isso em algum canto - propõe. - Comparada com a América hispânica, tivemos uma história incruenta, que não teve derramamento de sangue, nem na Indepêndenica nem na Proclamação da República. Tudo foi um arranjo, a Revolução de 30, a famosa Batalha de Itararé que nunca aconteceu, o golpe de 1964 foi feito como algo tão simples que todo mundo acatou.
O historiador considera que dois episódios rompem com essa tradição - a tentativa de assassinato, em maio de 1938, do então presidente Getúlio Varas, e agora, o assalto aos Três Poderes.
- Os dois atos foram feitos pela extrema direita: o integralismo protegido pelos nazistas, e insuflado e armado pelo fascismo, e, agora, de novo, pela extrema direita - defende.
O professor conclama a sociedade civil a oferecer móveis, com algum valor histórico, ao Congresso, ao Planalto e à Suprema Corte a fim de contribuir para a reconstrução dos palácios. Ele próprio tomou a iniciativa de oferecer peças históricas de seu acervo pessoal para a mobília dos três prédios vandalizados: duas cadeiras francesas, uma do século 18 e outra do 19, e um espelho. Ele sugere que as três casas e seus responsáveis criem programas por meio dos quais pessoas comuns colocarem, oferecendo via foto, objetos e móveis. Aos responsáveis pelo patrimônio dos palácios caberia analisar a pertinência ou não das doações.
- Seria uma forma de o povo brasileiro, aqueles que podem, estar contribuindo para a recuperação, inclusive material, dessa riqueza dos três palácios. Gostaria de sugerir aos três poderes que fizessem um apelo à consciência nacional, a aqueles que tivessem a possibilidade, os meios e disposição, que colocassem objetiso à disposição do Estado brasileiro - finaliza.
Aliás
O episódio da tentativa de assassinato do presidente Getúlio Vargas guarda semelhanças com os ataques de 2023, na opinião do historiador Ricardo Seitenfus. Em maio daquele ano, houve uma tentativa de golpe integralista. Vargas se defendeu no Palácio da Guanabara, à época residência presidencial, armado, contra os invasores. A ação foi comandada pelo tenente Severo Fournier, que depois pediu asilo à embaixada italiana. Quando os integralistas chegaram ao palácio, o tenente fuzileiro naval Júlio do Nascimento, também integralista, abriu o portão externo aos invasores. Durante o ataque, o presidente chamava, segundo as memórias de sua filha, Alzira Vargas do Amaral Peixoto, o apoio dos militares da guarda de segurança. Chegaram depois. Vargas comandou pessoalmente a resistência.
A propósito: no café da manhã com a imprensa, na semana passada, Lula afirmou que a porta do Palácio do Planalto foi aberta por pessoas de dentro.