Em 15 dias, dois dos mais longevos ditadores africanos tombaram em meio a manifestações populares e com o apoio das forças armadas. Na Argélia, Abdelaziz Bouteflika renunciou à presidência após quase duas décadas apegado ao poder. No Sudão, um dos maiores genocidas do século 20, Omar al-Bashir, que tomou o poder após um golpe militar em 1989, provou do próprio veneno. Foi deposto por uma quartelada.
Além dos protestos e do caldeirão político, Sudão e Argélia têm em comum longos períodos de regimes autoritários, algo que se repete em outras nações africanas. Embora sejam resultado de contextos específicos de cada país, as quedas de Bouteflika e Al-Bashir são movimentos suficientes para fazer ditadores de plantão – inclusive do lado de cá do Atlântico, na Venezuela – perderem o sono. Frustrações econômicas, população com fome e sem medicamentos, líderes encastelados no poder, forrando os bolsos com dinheiro da população costumam gerar fissuras também na caserna – que, aliás, é integrada pelo próprio povo. No caso africano, os dois episódios mostram que os exércitos não estão mais necessariamente dispostos a bancar a sede de poder de autocratas.
A um primeiro olhar, é possível imaginar que, como castelo de cartas, os movimentos na Argélia e no Sudão serão o embrião de uma onda revolucionária como a Primavera Árabe, que varreu o norte da África entre 2010 e 2011. Uma após outra, ditaduras em Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen caíram diante dos ventos que sopraram alguma esperança de democracia.
Nove anos depois, daqueles países, apenas Tunísia pode ser considerada pacificada. O Egito hibernou comemorando o fim de Mubarak, sonhou com Mohamed Morsi e acordou com o ex-general Abdel Fatah al-Sissi no governo, que, aliás, pretende emendar a Constituição para ficar à frente do país para além de 2022. O Iêmen é campo de tiro de Arábia Saudita e Irã – no conflito por procuração de EUA e Rússia. A Líbia, que caçou e matou Muamar Kadafi como um cão moribundo, tornou-se uma colcha de retalhos de senhores da guerra locais cujo capítulo mais recente é a ofensiva das forças do marechal Khalifa Haftar sobre Trípoli contra o governo reconhecido pela comunidade internacional como legítimo.
No Sudão, o ministro da Defesa, general Awad Ibn Auf, afirmou na sexta-feira (12) que, com a derrubada do regime, o país será comandado pelos próximos dois anos por um governo militar de transição. Sempre começa assim. O risco, como se viu na Primavera Árabe, é Argélia e Sudão trocarem seis por meia dúzia.