Há pouco mais de um mês, a etapa mais ambiciosa do processo de legalização da maconha no Uruguai foi implementada: a venda em farmácias para consumo recreativo. Na entrevista a seguir, a diretora da Expocannabis (que reúne produtores, governo e centros de pesquisa), Mercedes Ponce de León, avalia o último capítulo da regulação da cannabis.
Que avaliação a senhora faz até o momento da implementação da lei que permite a venda de maconha?
Dentro da regulamentação da cannabis para uso recreativo, as três vias estão habilitadas: o cultivo particular, os clubes e a venda em farmácias. Sobre o uso medicinal, há regulamentação, mas a implementação está ocorrendo de forma muito lenta. Ainda estamos com muita dificuldade. Pacientes que querem obter um produto testado, controlado e certificado, tem de trazer do estrangeiro.Isso gera um problema saúde porque muita gente está consumindo produtos medicinais que não está controlado.
Um mês atrás, os donos das farmácias estavam preocupados com a viabilidade do negócio, já que havia baixa procura por registros necessários para a compra nos estabelecimentos.
Quando começou, foram registrados 5 mil usuários. Algumas farmácias diziam que era pouco. Um mês depois da implantação, são quase 12 mil registrados. É muito mais rentável. Mais farmácias estão se registrando também. Hoje, são apenas 16 em todo o país.
Sobre o índice de THC (princípio ativo da maconha) baixo, de 2%, há risco de os usuários procurarem, no mercado ilícito produtos com percentual mais alto?
No Uruguai, fumava-se cannabis paraguaia de muito baixa qualidade com um monte de produtos que não tinham nada a ver com cannabis, com níveis de THC baixos. O governo tem à disposição plantas de melhor qualidade do que se fumava antes. É verdade que o THC dessa primeira variedade, que está sendo vendida não é muito alto, mas, pelos testemunhos, as pessoas estão de acordo. Em geral, os usuários que compram em farmácias são ocasionais, não são usuários diários.
O argumento de quem defende a regulamentação da venda de maconha se baseia na eventual redução do tráfico. Quando a senhora acredita que se terá esse impacto?
Hoje, só com os números de cultivadores registrados, de clubes e de farmácias, muitas toneladas de cannabis já não pertencem ao mercado ilícito. Estão no mercado regular. É um golpe no narcotráfico. A regulação já tirou mais mercado do narcotráfico do que a polícia. No fim do ano, vamos ter cifras.
O governo quer evitar exploração do turismo da maconha, especialmente por brasileiros. Isso preocupa?
Não acho que seja um problema. Medo existe de muitas coisas. O Uruguai é um país muito recatado. Nossa intenção não era prejudicar vínculos internacionais com países vizinhos, como Brasil e Argentina, que, quando souberam que o Uruguai ia regular (a venda), comunicaram suas preocupações. Dentro do Uruguai se decidiu não permitir aos estrangeiros afiliar-se ao sistema de registro para obter maconha legalmente.
Como o governo Tabaré Vázquez, um médico, está lidando com a regulamentação da lei de seu antecessor, José Mujica?
Não está complicando, mas tampouco está facilitando. As coisas estão se sucedendo, e a presidência de Tabaré não vai fazer com que a regulação não avance. Sem dúvida, a questão de ser médico deve ter relação com o fato de que o uso medicinal está trancado. No governo anterior, tinha um ritmo, e, nesse, tem outro.