Vladimir Putin é aquele tipo de pessoa que, quando olhamos seu rosto, não sabemos distinguir se está feliz ou triste, com dor ou irritado. Alfabetizado segundo a cartilha da KGB, antigo serviço de espionagem soviético, atual FSB, do qual foi diretor, não costuma expressar sentimentos em público. É gelado. Talvez seja o único líder capaz de colocar o planeta de pernas para o ar dada sua inteligência, capacidade estratégica, poder e arroubos autoritários.
Passados 25 anos do colapso da URSS, quando o mundo passou a ter apenas os EUA como superpotência, a Rússia se agiganta. Nos últimos tempos, Putin esmagou internamente o separatismo no Cáucaso e lança-se para além das fronteiras como um czar dos tempos do império. Depois de ocupar a Crimeia, na Ucrânia, joga na Síria sua partida decisiva de projeção de poder, em uma espécie de neoimperialismo russo.
Suas decisões não são mera legítima defesa diante do avanço da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) sob suas barbas – os países bálticos. No caso da Síria, são dois os interesses:
1 – Geopolítico: no estratégico Oriente Médio, corredor de gás e petróleo, Putin quer estar presente em oposição à influência americana na região, com aliados como Israel, Arábia Saudita e um governo pró-EUA no Iraque.
2 – Militar: a Rússia mantém na Síria sua base permanente de Tartus. É, na prática, o único acesso russo – ainda que indireto – ao Mar Mediterrâneo. Perigosamente perto de Incirlik, na Turquia, onde estão militares da Otan.
Quem diria, a Rússia tornou-se o único interlocutor capaz de negociar a paz na Síria. Em 15 meses, Putin conseguiu salvar o regime de Bashar al-Assad, ao apoiar a retomada das cidades de Damasco, Homs e Aleppo. Virou o pacificador, aquele que, se ainda não pôs fim ao conflito, pelo menos estancou a desgraceira. De quebra, seduziu a Turquia – aliado americano e membro da Otan. Na hora de abrir o espumante da comemoração pelo cessar-fogo sírio, os EUA estavam fora do banquete.
Para 2017, Putin anunciou que irá aumentar o poderio nuclear. Nesse clima de velha nova Guerra Fria, até os tempos de espionagem voltaram: o Kremlin teria hackeado contas de e-mail do Partido Democrata e da candidata Hillary Clinton em uma aparente tentativa de favorecer Donald Trump na disputa presidencial. Quando a CIA confirmou as suspeitas, o presidente Barack Obama, em impulso, expulsou funcionários russos dos EUA. O princípio diplomático da reciprocidade mandaria Putin repetir o mesmo, mandando embora americanos em seu território. O que ele fez? Calculista, engoliu em seco, fez cara de paisagem.
“Melhor esperar”, pensou. “Logo, Trump estará na Casa Branca”. Obama, que só esperava a expulsão para aumentar sanções, precisou se fechar em sua posição de “Pato Manco”, como é chamado nos EUA o presidente em fim de mandato – na prática, aquele que não manda mais. Vitória indireta de Trump, antes de sentar no Salão Oval. As imagens de caçador e lutador de judô (ao lado) são famosas, mas, nos corredores do Kremlin, Putin está mais para Gary Kasparov, para muitos o maior enxadrista de todos os tempos.