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Expressão meio desgastada, golpe de Estado. A mesma coisa ocorreu com fascismo, comunismo, genocídio, liberdade. São termos que, embora carreguem um imenso peso histórico, acabaram esvaziados pela urgência de simplificar qualquer narrativa — em resumo, desde que sirva para atacar quem eu detesto, que mal tem distorcer o sentido de uma palavrinha?
Mas é bom lembrar que certas coisas são golpe, sim. O impeachment de Dilma, talvez? Claro que não. Aliás, a corrosão dessa expressão começou justamente aí, quando a esquerda inventou que depor uma presidente — com uma denúncia fundamentada, um Congresso soberano e um Supremo aprovando o rito — seria uma ruptura democrática. Não seria e não foi.
Isso significa que o impeachment foi justo? Não necessariamente. É possível, sim, argumentar que o impeachment foi desproporcional, talvez oportunista, ardiloso, até inconsistente, mas não existe alegação capaz de enquadrá-lo como golpe. Porque um golpe de Estado passa por algo muito simples e claro: o rompimento com a Constituição — ou, no mínimo, uma violação flagrante dos princípios que a sustentam. Não foi o que ocorreu.
Poucos anos depois, agora é a direita que fala em golpe. Dizem que o Judiciário foi golpista ao soltar um presidiário, anular suas condenações e permitir que ele concorresse à Presidência. Bobagem. O que houve ali foi o devido processo legal em ação. Pode-se questionar decisões, levantar dúvidas sobre interpretações ou enxergar exageros, mas o fato é que o Supremo seguiu os trâmites institucionais. Não rasgou a Constituição, nem destituiu ninguém à força.
O problema, quando tudo é golpe, é que às vezes ocorre mesmo uma tentativa de golpe, e aí, bem, não há outra palavra que possa dar conta. Bolsonaro e os demais denunciados pelo Ministério Público arquitetaram um plano para impedir um governo eleito de tomar posse. Qual é o nome disso? É o mesmo nome do que vimos em 1964, em 1945, em 1937, em 1930, em 1892 e em 1889 — isso para mencionar os golpes que deram certo. São tantas as tentativas que deram errado, como essa de Bolsonaro, que podemos até chamá-las de tradição.
E, para romper com essa tradição golpista, que foi se perpetuando com um histórico vergonhoso de anistias, o único freio é a punição. Não por vingança, mas por respeito ao que a palavra golpe realmente significa: o ataque mais direto e brutal à democracia. Se nem assim houver justiça, o problema não será mais a palavra — será o país.