
A cada novo feminicídio — só no primeiro mês do ano, já são nove no Rio Grande do Sul —, a reação mais comum é pedir punições severas. Décadas de cadeia, prisão perpétua, pena de morte, castração química, essas coisas. Até pode funcionar como vingança, mas nada disso reduz a incidência de crimes assim. Porque esse tipo de assassino está se lixando para a punição — não é por acaso que muitos, após matar a mulher, enfiam uma bala na própria cabeça.
É preciso entender que a mulher, para esse homem, é parte constituinte da vida dele. Ela é um símbolo da sua autoridade, do seu valor diante dos outros, do seu controle sobre o mundo que construiu. Quer dizer: a mulher, para ele, não é um ser autônomo. Ela é dele e ponto final. Se um dia ela resolve ir embora, ocorre um colapso de identidade — ele perde o senso de poder, perde a própria validação masculina, e isso é uma ferida insuportável no orgulho que define quem ele é.
Aí, meu amigo, não interessa se vai passar 40 anos na cadeia ou se vai morrer logo depois. Matar a mulher é uma reparação. É um acerto de contas com a honra lesada, com a ordem que ele acreditava ser inabalável. Ou seja, o segredo é entender como se desmonta uma mente como essa. Pois eu digo: começando do começo.
E o começo está na infância, na escola, no que a gente ensina — e deixa de ensinar — sobre afeto e respeito. A ideia de que o marido vira dono da mulher está, em alguma medida, dentro de todos nós. Foram séculos e séculos em que os homens ergueram lares, proveram o sustento, cuidaram das mulheres e decidiram seus destinos. Essa lógica de posse enraizou-se nos comportamentos sociais, nos ditados populares e nos modelos de família.
É evidente que uma rede de proteção para vítimas de violência doméstica é fundamental. Mas ela vai atuar sobre a consequência, não sobre a causa — vai sempre aparecer quando o medo já estiver instaurado. A solução estrutural é priorizar a educação socioemocional nos colégios. Investir em programas que discutam relacionamentos saudáveis na adolescência. Apostar em projetos comunitários que alertem mulheres sobre sinais de machismo.
O feminicídio não é um desvio, é um sintoma. Enquanto formarmos homens que confundem amor com posse, continuaremos contando os corpos.