Era uma lenda viva, o Tarado do Pé. Não havia quem frequentasse a noite de Porto Alegre, naquela primeira metade dos anos 2000, e não ouvisse falar dele.
Eu o via em ação todo fim de semana e, após procurá-lo no Facebook, ontem à tarde falei com ele por telefone. Pediu que eu preservasse seu nome. E que borrasse seu rosto na foto acima – que ilustra bem a forma como atuava no antigo Cabaret, memorável casa noturna da Independência.
– Quando descobri aquele lugar, larguei minha turma de amigos. Eu só ia lá, sempre sozinho.
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O Cabaret tinha uma robusta escada ligando os dois pavimentos. Como os degraus eram vazados, o Tarado do Pé se posicionava estrategicamente embaixo dela – e ali conseguia apreciar uma considerável variedade de pés desfilando. Quando um pezinho o agradava, de preferência um pezinho vaidoso, valorizado por um elegante salto agulha, aí o Tarado do Pé esticava a própria mão sobre o degrau e CRRAAC, era pisoteado.
Vivia espichando o rosto, embaixo da escada, só para sentir a pele de um pé roçar a sua cara. Às vezes, deslumbrado com a nudez de uma sandália, não se aguentava e beijava um dedão. Foi fazendo inimigos.
– Tinha uma moça que, de propósito, me chutava a cara com tanta força, que era como se cobrasse um tiro de meta – relembra ele, hoje aos 54 anos. – Mas eu achava uma delícia...
Não demorou para se meter em brigas. Os namorados se irritavam com o Tarado do Pé. Aos poucos, ele preferiu sair de cena, diz que foi se sentindo vazio, sozinho, isolado.
– Não fazia muitos amigos, não construí nada naquela época. Era um negócio meio marginal – recorda ele, e eu pergunto como realiza suas fantasias hoje: – Não realizo mais fantasia nenhuma. Isso aí ficou no passado, só quero tocar a minha vida quieto. E na minha.