É menos controverso do que parece o tema da mobilização de entidades empresariais e prefeituras, que teve início na Serra, para passar um pente-fino no Bolsa Família. A intenção é encontrar pessoas que não se enquadram nos critérios para o benefício e mesmo assim recebem do programa. A questão de fundo que desencadeou o movimento é a escassez de mão de obra no Estado diante de um grande número de vagas formais de trabalho abertas que não são preenchidas.
Bolsa Família é uma iniciativa social relevante, mas existem favorecidos que poderiam ser somados à força de trabalho
A politização do assunto, embora não surpreenda, deve ser descartada por quem pretende analisar a pauta de forma responsável. O Bolsa Família é uma iniciativa social relevante. Tirou milhões de brasileiros da miséria extrema. Também movimenta a economia. Tem condicionantes como a manutenção de crianças na escola e carteira de vacinação em dia. Mas também é pacífico que existem favorecidos que não deveriam estar no programa e poderiam muito bem ser somados à força de trabalho.
Apesar de o Bolsa Família ser federal, as prefeituras têm um papel relevante. É do município a atribuição de cadastrar as famílias e de atualizar os dados. Muitas das inconsistências, que somadas chegam à casa dos milhões em todo o país, ocorrem no preenchimento desse filtro, nos municípios. Não é apenas o governo federal que ganha dividendos políticos-eleitorais com o Bolsa Família. Nas próprias cidades há agentes que tentam tirar proveito do programa.
Não há nada de anormal, portanto, em formar uma força-tarefa para verificar se há indivíduos recebendo indevidamente, como ocorreu incialmente em Bento Gonçalves e depois se espalhou para outros municípios. Ainda assim, é preciso cuidado para não cometer injustiças ou infringir regras. No caso de Bento, citado em reportagem de Paulo Egídio veiculada nesta sexta-feira em GZH e Rádio Gaúcha, o prefeito Diogo Siqueira (PSDB) diz que “corta (o benefício) com muito orgulho daquele homem que tem condições de trabalhar, que tem saúde”. O passo seguinte é encaminhá-los às vagas de emprego ofertadas pelas empresas locais. Mas no município também é alvo de contestação a lei local que prevê punições, como multa, para quem falsificar dados para acessar o benefício. Essa é outra questão.
Reduzir a discussão a uma disputa entre esquerda e direita é simplista. Embora o programa tenha surgido nos governos petistas, que ao longo dos anos ampliaram a iniciativa, foi na gestão federal anterior, rebatizado de Auxílio Brasil, que houve um enorme inchaço, também como estratégia eleitoral. Os critérios foram afrouxados e houve explosão de casos de famílias unipessoais, nitidamente forjadas. Até hoje buscam-se formas de combater essas fraudes. O próprio orçamento da União para 2025 prevê R$ 7,7 bilhões a menos para o Bolsa Família em relação ao ano passado, fruto dessa revisão.
Há beneficiários, como mulheres pobres que comandam famílias, que não têm alternativa de sobrevivência fora de um programa de transferência de renda. Não é correto, portanto, demonizar o Bolsa Família. Mas também é bem-vinda a discussão ponderada de possíveis aperfeiçoamentos de regras que estimulem a emancipação dos cidadãos pelo trabalho, ainda que não seja a bala de prata para solucionar a escassez de mão de obra.