Por Diógenes Guimarães Zãn, Neurologista, fundador do Instituto Mente e Cérebro (IMCer) e do TeleAVC
Segurança e liberdade são desejos que nos acompanham em quase tudo — da vida íntima à rotina profissional. Buscamos menos riscos e mais possibilidades e, é isso, no fim das contas, o que cada uma dessas condições nos promete.
Mas se ambas habitam nossa ideia de uma vida boa, a convivência entre elas costuma ser difícil. Onde há segurança demais, falta espaço para a liberdade. E o contrário também é verdade. Dentro da gaiola, o alpiste não falta, tampouco a proteção contra predadores. Mas as asas perdem sentido — e a paisagem e o alimento cruelmente preservam uma estabilidade sem sentido.
Há quem confunda repetição com segurança — e, de tanto repetir, acomoda-se. A estabilidade, nesse caso, é menos conquista do que desculpa. E a segurança, mais um álibi do que um ideal. Evoluir, nessa lógica, pode parecer perigoso.
Menos de 1% dos brasileiros têm acesso ao que há de melhor contra a doença
A "gaiola", seja no contexto pessoal ou profissional, continua sendo o emblema da segurança. Já a liberdade, essa inquieta, costuma assustar: ameaça quem alimenta, quem protege e quem se beneficia da rotina preservada. No entanto, num mundo que muda sem pedir licença, a liberdade de transformar-se deixa de ser opção — torna-se urgência. Sobretudo quando alimento e abrigo começam a faltar.
Penso nisso ao olhar para a minha atuação profissional como neurologista: a saúde e, em especial, o acidente vascular cerebral (AVC). Há 30 anos, temos um tratamento eficaz. Há 13, o SUS o financia. Mesmo assim, menos de 1% dos brasileiros têm acesso ao que há de melhor contra a doença que mais mata e incapacita pessoas no país: as terapias de reperfusão, que rapidamente desentopem vasos cerebrais entupidos.
É preciso, portanto, abrir as gaiolas — e isso exige coragem. Coragem para questionar o que sempre foi feito, para enfrentar o desconforto da mudança e, principalmente, para devolver à liberdade o seu lugar ao lado da segurança e, assim, ambas completarem-se em seus verdadeiros significados. Só desta forma poderemos voar mais longe, preservando e cuidando cada vez melhor dos nossos pacientes.