Não faltam aspectos chocantes no esquema de fraudes nos descontos de pagamentos a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), alvo de uma operação conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF) na quarta-feira. Entre eles está a estranha leniência da própria autarquia com irregularidades que não eram nenhuma novidade. Também demorou uma providência dos órgãos de controle para apurar o descalabro e investigar condutas _ ações e omissões.
O mínimo esperado, agora, é que o INSS finalmente encontre formas de dar um fim em golpes semelhantes
Sabia-se há bastante tempo dos abatimentos não autorizados, obtidos em regra pela falsificação de assinaturas dos beneficiados. O dinheiro caía no caixa de entidades associativas que sequer têm estrutura para prestar os serviços que alegavam oferecer como contrapartida da mordida debitada ilegalmente. Em maio de 2019, o golpe foi denunciado em reportagem do Grupo de Investigação (GDI) da RBS. Estava tudo ali, didaticamente explicado. Esse conhecimento amplia a gravidade do escândalo.
Mas passou o tempo _ todo o restante do governo Jair Bolsonaro e uma parte da gestão Luiz Inácio Lula da Silva _ e os desfalques nos benefícios não apenas continuaram como cresceram, em especial nos últimos dois anos. De acordo com a investigação, foram descontados entre 2019 e 2024 cerca de R$ 6,3 bilhões _ em 97% dos casos, os descontos não foram autorizados. A apuração da CGU começou em 2023.
O mínimo esperado, agora, é que o INSS finalmente encontre formas de dar um fim em golpes semelhantes. Novas formas de averiguação precisam ser instituídas para impedir descontos não autorizados. Devem ser facilitados, também, os caminhos para o cancelamento de eventuais débitos. Boa parte da população idosa, a grande maioria dos beneficiários do INSS, não tem as habilidades digitais necessárias para lidar com os labirintos criados quando se quer dificultar o acesso a um direito. São fartos os relatos de pessoas que, a despeito de inúmeras tentativas, não conseguiam estancar os desfalques e assistiam desoladas aos seus parcos ganhos serem corroídos mês a mês.
Essa é outra faceta revoltante a demonstrar a covardia do esquema. Era direcionado a alvos com reduzidas chances de se desvencilharem do golpe e que dependem de um benefício modesto, em idade avançada, para tentar viver de forma digna, driblando os altos custos de alimentação e de remédios. De acordo com o INSS, 28,68 milhões de brasileiros, 70,5% do total dos aposentados e pensionistas do instituto, ganham até um salário mínimo por mês.
Onze associações sindicais são investigadas. Seis pessoas foram presas e outros seis servidores foram afastados de seus cargos por decisão judicial. Cinco ocupavam posições relevantes no INSS. Entre eles, Alessandro Stefanutto, presidente do instituto, demitido no mesmo dia. Deve-se descobrir por qual razão, apesar de todas as denúncias anteriores, nada foi feito pela autarquia e parte de sua cúpula para parar com os abatimentos não autorizados, mesmo que a maioria das entidades favorecidas sequer estivesse regularizada para implementar os descontos. Por fim, é inescapável encontrar formas de recuperar os valores desviados e ressarcir os lesados.