Em apenas cinco dias, entre quinta e segunda-feira, 10 mulheres morreram vítimas de feminicídio no Rio Grande do Sul. Somente no feriado da Sexta-Feira Santa ocorreram seis casos. Anteontem, mãe e filha foram mortas a facadas em Ronda Alta, no norte gaúcho. Uma menina de nove anos se salvou ao conseguir fugir do padrasto, que em seguida se suicidou.
Talvez não exista precedente de tamanho acúmulo de ocorrências em período tão curto no Estado. A concentração de tantos episódios de assassinatos de mulheres pelo simples fato de serem mulheres estarrece e mostra que, apesar de todos os esforços dos últimos anos para prevenir os crimes de gênero, os feminicídios permanecem um desafio para segurança pública, Justiça, legisladores, famílias e sociedade.
É necessário trabalhar para combater a cultura arraigada do machismo, com educação e conscientização, nas famílias e nas escolas
A dificuldade para combater esse delito pode ser atribuída aos diversos fatores que o cercam. Na maior parte dos casos, o desfecho fatal é o desenlace de um ciclo de violências distintas, como a psicológica, a moral e a patrimonial, junto à escalada de agressões físicas no ambiente doméstico. Mas no âmago está o machismo incrustado no tecido social que leva alguns homens a ainda considerarem a mulher como um corpo sob sua posse.
De forma imediata, uma das principais formas de prevenir é a concessão de medidas protetivas contra companheiros e ex-companheiros. Nenhuma das mulheres covardemente mortas nesses nove casos contava com esse anteparo que prevê, por exemplo, a proibição por decisão judicial de o agressor se aproximar da vítima. Muito se evoluiu nesse quesito preventivo. A iniciativa que prevê colocar tornozeleiras eletrônicas nos homens violentos, o que permite a detecção instantânea do descumprimento da ordem de afastamento, ilustra esse aprimoramento. Mas sabe-se que ainda existem fatores que inibem a procura da medida protetiva.
É oportuna, nesta linha de facilitar a procura por proteção, a medida anunciada pela Polícia Civil gaúcha de adiantar o lançamento de uma nova ferramenta que permitirá às mulheres ameaçadas realizarem o pedido de medida protetiva pela internet, sem se deslocar a uma delegacia. Deve estar à disposição nos próximos dias. Soma-se a uma série de outras iniciativas, como a ampliação das patrulhas Maria da Penha, abrigamento e a chamada Sala das Margaridas, espaços nas delegacias de polícia destinados ao acolhimento de vítimas, entre outras estratégias vinculadas aos múltiplos aspectos da violência doméstica.
Tornam-se bem-vindos todos os instrumentos que ajudem as mulheres a frear o ciclo de violência, as encorajem a romper o silêncio e as amparem. Mas são insuficientes. Deve-se dar atenção, também, aos fatores que forjam um agressor. Incentivar a discussão de temas como misoginia e gênero não pode ser confundido com ideologia. É necessário trabalhar para combater a cultura arraigada do machismo, com educação e conscientização, nas famílias e nas escolas, para incutir a compreensão nas próximas gerações de adultos de que homens não têm um poder socialmente concedido sobre as mulheres, tampouco o controle sobre os seus destinos. Como toda mudança estrutural, leva tempo. Mas tem o potencial de evitar o surgimento de futuros feminicidas.