A consagração de Ainda Estou Aqui com a vitória na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar renova o estímulo à reflexão sobre os males de regimes autoritários e tem o potencial de ser um divisor de águas para o cinema brasileiro. É uma oportunidade que deve ser bem aproveitada pelo país.
A primeira estatueta para o Brasil na mais relevante e badalada premiação da indústria cinematográfica mundial reforça o interesse sobre a produção dirigida por Walter Salles. Assim, amplia o alcance da mensagem do longa-metragem, que conta a história real de Eunice Paiva, esposa do ex-deputado federal Rubens Paiva, sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Seu corpo nunca foi encontrado. Advogada, ativista e mãe de cinco filhos, Eunice atravessou quatro décadas em busca da verdade sobre o desaparecimento do marido. Conhecer ou relembrar os horrores do arbítrio reforça a conscientização coletiva e ajuda a minimizar os riscos de o passado obscuro se repetir. Ditaduras são sempre opressivas, não importa se de direita ou de esquerda.
Outro mérito notável de "Ainda Estou Aqui" foi conseguir unir e engajar os brasileiros na torcida pelas estatuetas
A conquista inédita para o Brasil orgulha e traz ainda a oportunidade de reconhecimento da qualidade técnica e narrativa do cinema nacional. Foram, até aqui, quase 50 premiações internacionais. A arrecadação de bilheteria, no país e no Exterior, já supera os R$ 160 milhões. Mas a chancela do Oscar, sem dúvida, pode ser um impulso inigualável à produção cinematográfica local. Espalha ainda reflexos positivos para todo o segmento audiovisual e a indústria criativa brasileira. Abre a chance para que o setor capte mais recursos para projetos com maior orçamento e permite que os títulos passem a ser mais valorizados. Não só pelas plataformas de streaming e grandes distribuidoras globais, mas inclusive pelo público interno, que costuma comparecer pouco para assistir a filmes nacionais. No ano passado, os títulos brasileiros atraíram apenas 10% dos espectadores das salas de cinema do país. Os dados são da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
Ainda Estou Aqui alcançou ainda o feito memorável de ser indicado para concorrer à principal categoria do Oscar, a de melhor filme, e de Fernanda Torres, que interpretou a tenaz Eunice Paiva, ser considerada uma das favoritas à premiação de melhor atriz. Não deu para Fernanda, a despeito da atuação impecável, elogiada pelo público e pela crítica. Sua performance e seu carisma, no entanto, também têm o condão de ampliar o mercado para atores brasileiros no Exterior.
Outro mérito notável de Ainda Estou Aqui, adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens, foi conseguir engajar os brasileiros na torcida pelas estatuetas. Foi contagiante a vibração na noite de domingo, de Norte a Sul, em pleno Carnaval. A despeito do componente político presente, a obra foi capaz de unir o Brasil, a exemplo do que é visto em época de Copa do Mundo ou de Olimpíada. Pode ser um sinal de que a profunda divisão ideológica do país não seja insuperável, como se supõe, por indicar que, acima de diferenças comportadas pela democracia, o autoritarismo é rejeitado pela ampla maioria da nação.