Independentemente do desfecho que ainda possa ter — e o desejável é que resulte num efetivo cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia —, o encontro da última sexta-feira entre os presidentes Donald Trump e Volodimir Zelensky vai ficar registrado na história da diplomacia mundial como um inacreditável espetáculo de hostilidade, arrogância e humilhação. A comunidade internacional ainda está tentando superar a perplexidade causada pelo bate-boca público protagonizado pelos governantes, com transmissão direta pela televisão e consequências imprevisíveis para as relações dos Estados Unidos com seus aliados políticos, especialmente com a Europa.
Era para ser uma simples formalidade diplomática destinada à assinatura de um acordo de cooperação entre os dois países, pelo qual os Estados Unidos passariam a explorar as chamadas terras raras da Ucrânia, ricas em minerais valiosos. Mas transformou-se num debate áspero e desequilibrado, com Trump e seu vice, J.D. Vance, pressionando e constrangendo o líder ucraniano a aceitar as condições impostas por eles, mesmo sem a contrapartida exigida pela Ucrânia de proteção contra a Rússia, que começou a atual guerra e ocupa militarmente parte do território vizinho.
Ao final da tensa reunião, ficou visível que os Estados Unidos, sob o governo Trump, estão dando uma guinada radical na sua política externa
Desde o início ficou evidente que as expectativas das duas partes eram diametralmente opostas: Zelensky queria ajuda financeira, armas e suporte logístico dos Estados Unidos, além de evitar um acordo de paz que implique em concessões e perda de território para o invasor; Trump queria acabar com a guerra para poupar recursos e para recuperar os gastos norte-americanos no conflito, sem se importar com eventuais prejuízos para a soberania da Ucrânia. Ao final da tensa reunião, ficou visível que os Estados Unidos, sob o governo Trump, estão dando uma guinada radical na sua política externa, com o abandono explícito de alianças tradicionais e compromissos de longo prazo e o confessado propósito de utilizar internamente os recursos que vinha despendendo para apoiar aliados e manter a presença norte-americana em cenários globais.
Desde que assumiu o poder, em 20 de janeiro, o empresário-presidente já assinou decretos retirando seu país da Organização Mundial da Saúde, do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e do Acordo Climático de Paris. Além disso, suspendeu financiamentos a organizações humanitárias. Também já revelou que estuda uma possível retirada norte-americana da Organização Mundial do Comércio e deixou claro que não hesitará em até mesmo sair da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) se os aliados não ampliarem seus gastos na própria proteção.
A nova postura do governo norte-americano não se restringe ao conflito entre Rússia e Ucrânia. Também afeta profundamente as relações dos Estados Unidos com seus parceiros europeus e demais aliados, fragmentando e fragilizando a União Europeia num momento em que o bloco continental enfrenta dificuldades econômicas e políticas. Nesse novo contexto, caracterizado pela desconsideração de Trump aos aliados e afagos a autocratas como Putin, por interesses pouco claros, o maior risco para a humanidade é que o isolamento dos Estados Unidos em torno de seu próprio umbigo estimule aventuras expansionistas por parte de governantes autoritários e de potências bélicas que disputam a liderança global.