Em seu último dia na missão à Holanda, à frente da comitiva do Estado que viajou para conhecer as experiências locais no enfrentamento a enchentes, o governador Eduardo Leite deu ontem mais detalhes sobre a ideia de criar uma agência ou autarquia responsável pela gestão das águas no Rio Grande do Sul. A inspiração é no modelo holandês, que conta com uma série de órgãos espalhados pelo país para tratar da política de recursos hídricos, como o Conselho de Águas da Região de Roterdã, conhecido na terça-feira pela comitiva, integrada também pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo.
É certo que será preciso um olhar sistêmico das bacias hidrográficas, que passam por várias regiões e municípios
A Holanda, com um quarto do território abaixo do nível do mar e mais da metade de sua extensão sujeita a inundações, passou por grandes tragédias e enchentes históricas em décadas passadas, o que a impeliu a agir e se tornar referência em lidar com as águas. Nada mais apropriado ao Rio Grande do Sul, após passar pela enchentes de setembro de 2023 e de maio de 2024, do que se inspirar no exemplo holandês, adaptando-o à realidade do Estado. A intenção do Piratini é enviar à Assembleia uma proposta para criar essa autoridade das águas, mas o próprio Leite admite que o desenho ainda precisa ser mais discutido. O grande desafio será encontrar uma governança adequada às peculiaridades do Estado.
É certo que será preciso um olhar sistêmico das bacias hidrográficas, que passam por várias regiões e municípios. Uma intervenção em um local, afinal, acaba por repercutir em outros, com o risco até de agravar problemas. Assim, torna-se necessário privilegiar uma visão do todo, que concilie diferentes interesses setoriais e de municípios. É algo que os comitês de bacias, uns mais e outros menos organizados e ativos no Estado, já fazem, embora com pouco poder executivo.
Ao se pensar na arquitetura dessa nova agência ou autarquia, portanto, deve-se buscar um modelo que assegure a participação das múltiplas partes interessadas, mas não crie um órgão engessado pela burocracia e pela dificuldade de formar consensos e de executar obras e projetos necessários. É preciso que tenha, também, capacidade técnica para planejar e agilidade para tirar os planos do papel. São iniciativas que devem ainda ter aderência ao projeto RioS (Resiliência, Inovação e Obras para o Futuro do RS), parceria do Estado com o BNDES, criado para reorganizar a governança da região da bacia hidrográfica do Guaíba e elaborar os anteprojetos dos sistemas de contenção locais de cheias.
Há lições da Holanda cujos princípios são universais. O primeiro deles é a necessidade de repensar o uso do território, em especial nas áreas alagáveis. Os espaços para onde rios costumam extravasar precisam ser respeitados. O outro é a proteção ambiental dos cursos d´água e de suas margens. São dois pontos em que o Estado ainda tem de avançar bastante, nos aspectos cultural e de amadurecimento da relação da população com a natureza.
Convém lembrar ainda que, mesmo buscando inspiração na Holanda, o Rio Grande do Sul também é referência em estudos na área, com instituições como o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, e foi pioneiro no país nos comitês de bacias. Há bastante conhecimento acumulado sobre o assunto aqui mesmo no Estado.