Ao anunciar uma radical mudança na política de moderação das redes sociais controladas pela empresa Meta, entre as quais o Facebook e o Instagram, o megaempresário Mark Zuckerberg passou a impressão de ter escancarado ainda mais a Caixa de Pandora do mundo digital, da qual invariavelmente saem mentiras, discursos de ódio, teorias de conspiração e informações falsas que comprometem a saúde das pessoas, geram comportamentos antissociais e colocam em risco a própria democracia. A decisão do CEO da Meta alinha a empresa à visão questionável do recém-eleito presidente dos EUA, Donald Trump, sobre liberdade de expressão e sobre o domínio de um mercado que movimenta milhões de dólares. Por isso, está provocando reações contundentes em vários países, inclusive no Brasil, que protagonizou recentemente um litígio sobre esse tema envolvendo o Supremo Tribunal Federal e outro magnata da comunicação digital, o multibilionário Elon Musk, dono do X e agora integrante do governo Trump.
A própria Constituição brasileira reconhece que a liberdade de expressão tem sua amplitude restrita pelos direitos das demais pessoas
Vem exatamente do ministro Alexandre de Moraes, que representou o STF no referido embate, a resposta mais forte ao anúncio e às insinuações de Zuckerberg sobre censura estrangeira às suas redes. “As redes sociais não são terra sem lei. No Brasil, só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira, independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs” — afirmou o magistrado durante o ato de defesa da democracia, na última quarta-feira, em Brasília. Logo depois, em evento realizado no Supremo Tribunal Federal, o decano da Corte Gilmar Mendes reafirmou que “não é possível confundir a regulamentação das redes sociais e a proteção dos direitos fundamentais com censura”.
Esse debate, evidentemente, não deve ficar restrito ao âmbito do Supremo Tribunal Federal. A liberdade de expressão é uma bandeira da democracia e uma justificada vocação do ser humano desde que aprendeu a se comunicar. Suprimi-la e controlá-la é próprio de ditadores que se julgam no direito de tutelar o pensamento e a vontade das demais pessoas. Ainda assim, não pode ser um valor absoluto porque tende a ser contaminada por deformações danosas à sociedade. Sem limites, a liberdade de expressão vira libertinagem de expressão.
A questão central desse debate potencializado pela popularização das redes sociais é saber quem terá legitimidade para aplicar as necessárias restrições. Mas o regramento estabelecido pelos poderes constituídos com a anuência da sociedade não pode ser confundido com autoritarismo. A própria Constituição brasileira reconhece que a liberdade de expressão tem sua amplitude restrita pelos direitos das demais pessoas.
Quando tal limitação não ocorre espontaneamente e de forma adequada pelos autores de postagens e difusores de informações, recorre-se à legislação, ao regramento, à regulamentação. É o que sociedades livres do mundo inteiro tentam fazer atualmente com as redes sociais para poderem conviver pacificamente com essa poderosa forma de comunicação representada pelos meios digitais. Nesse contexto, a decisão absurda anunciada na última quarta-feira pela Meta soa como um boicote aos debates que buscam soluções negociadas para o impasse.