Dois anos depois dos ataques às sedes dos três poderes da República por manifestantes inconformados com os resultados da última eleição presidencial, as principais lideranças políticas do país reúnem-se hoje em Brasília para reafirmar seus compromissos com o regime democrático e para reinaugurar obras de arte restauradas dos danos causados pelos invasores. A cerimônia programada para o Palácio do Planalto, com presença e pronunciamentos dos presidentes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, tem o propósito simbólico de mostrar aos brasileiros que a democracia resistiu, fortaleceu-se e continua sendo a garantia de que cada cidadão deste país terá seus direitos constitucionais respeitados.
Nem todos os brasileiros estão satisfeitos com os atuais governantes e com os rumos do país, mas a maioria da população repudia inequivocamente atos golpistas e arroubos contra a normalidade institucional. É o que revela com clareza a pesquisa divulgada na última segunda-feira pelo Instituto Quaest, pela qual 86% das pessoas consultadas reprovam a ação dos golpistas. É verdade que esse percentual já foi maior. Em fevereiro de 2023, o vandalismo e a tentativa de mudar o resultado eleitoral receberam a rejeição massiva de 94% dos brasileiros consultados.
O irônico das manifestações antidemocráticas é exatamente esse paradoxo: aqueles que atentam contra a democracia só podem fazê-lo porque contam com a sua proteção
Esta oscilação certamente sofre a influência de fatos que agravam ou distendem a polarização política resultante das disputas eleitorais. Um dos eventos significativos ocorrido no período entre as duas pesquisas foi o indiciamento pela Polícia Federal, em novembro do ano passado, do ex-presidente Jair Bolsonaro e de mais 39 pessoas por suspeita de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa. Pela primeira vez na história do país, um ex-presidente eleito democraticamente foi indiciado por tramar contra a democracia. Graças a ela, porém, todos os acusados terão amplos direitos de se defender e só poderão ser condenados quando se esgotarem os recursos em todas as instâncias do Judiciário.
O irônico das manifestações antidemocráticas é exatamente esse paradoxo: aqueles que atentam contra a democracia só podem fazê-lo porque contam com a sua proteção. Nas autocracias, que infelizmente ainda vigoram em várias regiões do planeta, os protestos e as manifestações políticas são proibidos e severamente reprimidos. Defensores do golpismo, portanto, menosprezam a própria liberdade.
Porém, é importante que se faça uma ressalva: opor-se ao governo vigente, manifestar desejo de mudança, criticar e protestar são atos perfeitamente legítimos quando executados com civilidade e de acordo com a legislação. A liberdade de expressão e manifestação, também garantida pela Carta Magna, inclui participar de reuniões públicas, receber, expressar e difundir ideias de qualquer natureza, com a correspondente responsabilidade de respeitar os direitos das demais pessoas. São condenáveis apenas quando derivam para a violência, para a depredação e para delinquência.
As imagens e as lembranças do 8 de janeiro de 2023 não deixam dúvidas sobre o que é certo e o que é errado. E são a comprovação prática de que a democracia é uma ideia poderosa, mas frágil. Precisa ser constantemente vigiada e revigorada.