O estelionatário que hackeou autoridades da República cometeu crimes inquestionáveis que os hackeados ainda estão tentando tipificar melhor com o propósito de agravar sua punição, mas também prestou um serviço a todos nós – ingênuos usuários da comunicação digital. Se antes da era dos smartphones se dizia que o peixe morria pela boca, com o significado que todos conhecemos, agora ninguém mais pode ter dúvida de que as reputações também morrem pela ponta dos dedos. Tudo o que transmitimos, mesmo em trocas de mensagens reservadas, fica gravado em algum lugar do ciberespaço com as nossas impressões digitais e pode ser recuperado com meia dúzia de cliques por um delinquente fanfarrão, estágio de sofisticação tecnológica não muito acima do adolescente com espinhas ironizado pelo ministro Moro.
É extensa a ficha criminal do tal Vermelho, que recebeu esse apelido por causa da barba e do cabelo ruivos – e não por torcer para o time grená da Ferroviária de Araraquara ou por suas preferências ideológicas. Ele responde a seis processos na Justiça paulista, por estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas. Mas acabou se tornando uma celebridade através da espionagem digital, como principal responsável pela invasão de uma rede social utilizada por governantes, juízes, procuradores e outros ilustres personagens do andar de cima do país.
Agora que temos uma nova forma de comunicação, ficamos ainda mais imprevidentes e muito mais vulneráveis
Exibicionista, tratou de divulgar sua façanha e deu tanta bandeira, que facilitou o trabalho da Polícia Federal. Chegou mesmo a enviar mensagem para uma de suas vítimas. Se um sujeito assim entra com facilidade na intimidade dos poderosos, o que sobra para o andar de baixo? E o pior para a nossa autoestima é que, embora seja uma criatura do mal, ele deixa a impressão de que é mais inteligente do que a maioria de nós.
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Se revelares os teus segredos ao vento, não o culpes por os revelar às árvores – escreveu o grande Khalil Gibran num tempo em que a palavra falada era o maior risco aos incautos. Agora que temos uma nova forma de comunicação, ficamos ainda mais imprevidentes e muito mais vulneráveis. As pessoas digitam o que pensam e o que não pensam, repassam verdades e inverdades, fazem confidências para o mundo.
Dá nisto: brincadeiras, hipocrisias e desvios de caráter que os amigos normalmente relevariam acabam se tornando públicos – e publicados –, adquirindo dimensão de escândalo.
Tenho visto e ouvido de autoridades hackeadas explicações como esta:
– Não tenho nada a esconder. E não há nada de mal no que foi publicado.
Não creio que seja uma boa estratégia. Quem não tem nada a esconder não pode se importar com a divulgação de suas conversas privadas. Além disso, se realmente não há nada de mal, o criminoso acabará sendo inocentado. Há mal, sim, na invasão da privacidade alheia. E há mal, muito mal, quando homens públicos traem, por palavras e atos, a confiança de seus representados.