Ednaldo Rodrigues preside a CBF e lançou a ideia de perda de ponto ou pontos para o clube cuja torcida em seu estádio grite cânticos racistas ou tenha atitudes racistas de qualquer natureza. Do lado de cá do balcão, aplaudo de pé a ideia do dirigente de agir fortemente no combate a esta e a todas as demais violências cometidas numa praça esportiva.
Gosto da possibilidade de discutir todo tipo de punição a quem comete injúria racial ou tem suas dependências cenas de violência. A única medida que não gosto é justamente esta proposta pelo presidente da entidade. Mexer em resultado de campo me parece demasiado sob qualquer argumento.
A disputa se dá no gramado, ganha o mais competente ou, para quem acredita em sorte, o mais bem dotado desta estranha qualidade. Meter a mão no resultado de uma competição, ainda que por uma causa tão extraordinária como zerar violência e racismo no futebol, não.
Há outras formas que bateriam no âmago de quem faz futebol profissional. Multa pecuniária. Perder dinheiro. Fechar o estádio, tirar o mando de campo, limitar espaços físicos para presença de torcida, tudo pode ser tentado.
Especialmente, ir no cofre do clube. Vincular de forma direta violência e racismo à perda de dinheiro daria muito certo.
Não qualquer dinheiro, vamos combinar. Dinheiro grosso, quantia que fizesse o dirigente se interessar muito em evitar que sua torcida cometesse desatinos. A proposta de tirar ponto conquistado dentro do campo nasce perigosa desde a origem. Basta olhar a sociedade em que vivemos neste momento do país. O futebol, microcosmo desta sociedade, dá exemplos repetidos de intolerância, violência e também de venalidade.
O odioso jeitinho brasileiro, por tanto tempo louvado entre nós como qualidade, é dos maiores atrasos que o Brasil vive há décadas. Durante o jogo, ele está traduzido no goleiro que fica no chão sem lesão nenhuma para tirar o ânimo do time adversário que pressiona. No atacante que pretexta pênalti que não sofreu.
No zagueiro que nega aos gritos o pênalti que de fato cometeu. O jogador de qualquer posição que, a despeito de haver mais de 30 câmeras na sua direção, recebe contato no peito e leva as duas mãos ao rosto como se ali tivesse sido atingido. Este combo já é desanimador o suficiente, é o que chamo de nosso 7x1 diário.
Agora imagine se for estipulado no regulamento de uma competição que atos violentos ou injúria racial acarretará perda de ponto ou pontos. Eu não duvido, absolutamente, que um dirigente pretensamente malandro infiltre alguém na torcida adversária para cometer a infração que prejudicaria o rival. Pense no ponto que falta para evitar ou causar rebaixamento. No ponto que falta para a vaga de Libertadores.
Ou, cereja azeda do bolo, o ponto que falta para conquistar ou tirar o título de alguém. O campeonato seria transformado numa eterna pendenga jurídica sem homologação de campeão por anos e anos. Porque nós, na sociedade que formatamos e no futebol em particular, somos permissivos. Toleramos a bandalha de uma forma inacreditável.
Achamos graça quando um treinador se comporta à beira do campo como se comandasse um dos times no grande clássico casados x solteiros. Sem mexer em resultado de campo já vivemos todo tipo de ato antidesportivo e mandamos a ética para a casa do chapéu, pense no que poderia acontecer caso o regulamento contemplasse perda de ponto para coisas que acontecessem fora do campo de jogo.
Além da óbvia necessidade de encher os estádios de câmeras para que se identifiquem os bandalhos e se puna cada CPF infrator, é preciso manter a responsabilidade sobre o clube para engajá-lo mais no combate a tudo que não deve ocorrer num estádio de futebol.
Para quem tenha especial interesse em entender o quanto é possível, zerar a violência no estádio, pesquise o que foi feito na Inglaterra. Antes de alcançar o nível de civilidade atual, os estádios ingleses eram terra de ninguém. Quando houve mortes, a UEFA tomou a mais drástica das medidas. Tirou os clubes ingleses das competições internacionais até que tomassem medidas preventivas à violência.
Sim, injusto com os clubes britânicos que não tiveram episódios violentos e se viram impedidos de disputar competições europeias. Mas foi o único jeito — a punição arrasa-quarteirão — para que uma solução definitiva fosse encontrada. A partir desta medida extrema, o futebol inglês redesenhou suas praças esportivas.
Cadeiras em todos os setores, revista severa na entrada e punição exemplar a todo bandalho que as muitas câmeras espalhadas nas dependências do estádio flagrassem brigando. Claramente, os clubes ingleses passaram a se empenhar de maneira incisiva para evitar prejuízos por conta de idiotas violentos.
No futebol brasileiro, este engajamento do dirigente de clube está milhas e milhas distante do ideal. Basta lembrar, aqui nos pagos, da forma como os presidentes de Grêmio e Internacional trataram o caso Villasanti, grave o suficiente para cancelar um Gre-Nal.
Não foram capazes sequer de sentar à mesma mesa de entrevistas depois do cancelamento para uma posição conjunta que condenasse de forma contundente a violência recém praticada. De lá para cá, nenhuma melhora. Só acirramento e estúpida grenalização de algo que, ao invés de afastá-los, deveria uni-los: o combate à violência.
Gostaria de terminar a coluna esperançoso de que se encontrará no Brasil uma forma efetiva de solucionar o problema. Mas quando vejo a frouxidão com que grande parte dos dirigentes dos maiores clubes brasileiros tratam os reiterados episódios violentos protagonizados por integrantes de torcidas organizadas, respiro fundo, suspiro e entristeço.