Preocupado com o que considera uma "pandemia" de apostas online, o Ministério da Fazenda está elaborando junto ao Banco Central (BC) um mecanismo para monitorar o endividamento das famílias brasileiras com as “bets” e outros tipos de jogos. A partir da regulamentação do setor, que entra em vigor integralmente no ano que vem, o governo quer ter dados precisos sobre o comprometimento da renda dos brasileiros com apostas. Além disso, também discute iniciativas na área de saúde.
A regulamentação impõe uma série de regras às empresas, e um dos objetivos é evitar estímulos que gerem dependência psicológica. Além de proibir o uso de cartão de crédito e outros mecanismos para jogar "fiado", o governo obrigará as empresas a monitorarem excesso de gastos e de tempo de tela.
A falta de regras para o setor é apontada pela Fazenda como um dos principais motivos para o mau uso dos jogos. Uma lei aprovada em 2018 permitiu a operação das bets, mas até o ano passado não havia qualquer regulamentação.
— O Banco Central está criando trilhas onde você consegue, por meio de acompanhamento e pesquisa com as pessoas, identificar se a porta de saída deste dinheiro tem sido, por exemplo, as apostas. Com isso, teremos clareza muito maior e mais confiável se o endividamento tem relação com as apostas e se isso está vazando para outros setores econômicos — explica o titular da Secretaria de Prémios e Apostas do Ministério da Fazenda, Regis Dudena.
O secretário diz que levantamentos feitos recentemente por bancos e outras instituições sobre o comprometimento de renda dos brasileiros com os jogos foram analisados na Fazenda e mostram, de fato, casos graves de dependência. Os estudos geraram um alerta no governo. Dudena pondera, contudo, que justamente por ainda não ser um mercado 100% regulado, os números precisam ser vistos com ressalvas.
A partir de 1º de janeiro de 2025, somente empresas autorizadas poderão funcionar no país. Até agora, o governo recebeu 120 pedidos de cadastro. Além de uma outorga de R$ 30 milhões, cada empresa precisa apresentar em torno de cem documentos para avaliação, e assinam compromisso com as regras definidas em lei.
A Fazenda estima arrecadar R$ 3,4 bilhões em 2024 com a regularização das bets. A intenção é utilizar parte do acréscimo de receita no financiamento de políticas públicas que desestimulem o vício em jogos. O Ministério da Saúde está envolvido em discussões para promoção de campanhas informativas sobre os riscos da dependência, além da preparação de profissionais de saúde para lidarem com a situação.
Para Dudena, o descontrole está ligado à demora para regulamentação. Isso deu margem para a proliferação de empresas mal-intencionadas, que misturam apostas com fraudes. O modelo aplicado no Brasil se baseia em experiências de países que já criaram regras há muitos anos.
— Precisamos separar quem são as empresas de apostas interessadas em prestar um serviço de maneira legalizada daqueles grupos que estão se utilizando da aposta para fazer um mau uso, inclusive com práticas de golpes e lavagem de dinheiro. Os problemas de saúde e de endividamento em decorrência das apostas a gente associa com a atuação destes grupos oportunistas que se utilizam do setor para fraudes — sustenta o secretário.
A normatização vai impor para as empresas o dever de acompanhar os apostadores, mediante o seu próprio perfil, acerca da possibilidade de endividamento e de tempo de tela excessivo. Os dados permitirão identificar, segundo o secretário, usuários que precisam de restrições. As empresas deverão lançar alertas sobre mau uso, bloquear perfis temporariamente ou, em casos considerados extremos, excluir os jogadores da plataforma.
A regulamentação também estabelece regras mais rigorosas de publicidade, evitando mensagens que sugiram que os apostadores ficarão ricos ou que podem utilizar as bets como forma de investimento e substituição de renda.