
Uma das discussões que mobiliza trabalhadores — e não só neste 1º de maio marcado pela declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que quer "aprofundar o debate" – é o fim da escala 6x1. Gustavo Gonzaga, professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio, com linha de pesquisa focada em Economia do Trabalho fez um estudo sobre os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988 (leia aqui). Diz ser "otimista" sobre uma nova diminuição, mas alerta que é preciso pensar em compensações para efeitos no custo de empresas.
Quais foram os efeitos da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988?
O contexto era diferente, a inflação era muito alta. Mesmo com aumento do custo de mão de obra por conta da redução de jornada, era fácil de repassar aos preços. Não encontramos efeito positivo nem negativo sobre o emprego. Evidências empíricas em várias reformas semelhantes obtiveram resultados parecidos.
Como está a discussão agora?
A discussão atual de encurtar de 44 para 40 horas é mais madura. Antes, era baseada na premissa de que a jornada menor aumentaria o nível de emprego, porque seria possível partilhar um trabalho feito por mais pessoas trabalhando menos horas. Não é o que ocorre, porque redução de jornada vem acompanhada de manutenção do salário mensal, aumentando o salário por hora. A sociedade tem de pensar o que os economistas chamam de externalidade. Se as pessoas só têm um dia por semana para cuidar das outras tarefas da rotina, com mais tempo, pode beneficiar a sociedade como um todo. Ao longo da evolução, é natural que as sociedades migrem para jornada de trabalho menor, com escala mais razoável.
A mudança é factível no contexto brasileiro?
Sou otimista. O debate está mais maduro, porque é essencial reconhecer que envolve aumento de custo para empresas. Como toda proposta tem ganhadores e perdedores, empresas que atualmente contratam por 44 horas serão negativamente afetadas. Podem repassar o impacto para o preço ou para o emprego. O efeito pode ser compensado, como um todo, por outras empresas ou pelas externalidades, mas tipicamente não ocorre aumento de emprego. O que se espera é redução.
O que pode tornar a proposta factível?
Em geral, mudanças de jornada vêm com uma grande negociação da sociedade. É uma oportunidade de mudar vários outros parâmetros da organização trabalhista que, na verdade, são prejudiciais aos empregadores e acabam sendo prejudiciais aos empregados também.
Quais?
Com a nova Constituição, houve redução da jornada de 48 para 44 horas, mas também aumento do adicional de hora extra, que era 20% e passou a ser 50%. Dá para fazer o contrário agora, reduzir de 50% para 20%. Outra forma de compensar é flexibilizar o período que se conta a jornada de trabalho. Na França, quando houve redução de 39 para 35 horas, as empresas puderam implementar um banco de horas mais longo, sem contabilizar a jornada toda semana. A discussão pode trazer outros parâmetros que interessem aos empresários, principalmente os pequenos, que de alguma forma compensariam o aumento de custo com a redução de jornada. Outro exemplo é o adicional de férias de um terço, que só existe no Brasil. E mais, o pagamento das férias é antecipado. Quando o trabalhador tira férias, representa um custo enorme para empresa. Agora, pagar antes é um benefício mesmo para os trabalhadores? Quando as pessoas recebem dois meses de salários seguidos, não conseguem juntar o suficiente para levar até o último dia. Se fosse um debate normal, em uma sociedade menos polarizada, haveria pequenas coisas a ser feitas, mas nesse momento são todas difíceis.
Uma das justificativas para acabar com a escala 6x1 é o aumento da produtividade. É uma consequência, mesmo?
Esse argumento, em geral, não é defensável, a não ser por externalidade. Para a sociedade como um todo pode haver ganhos. Se houvesse ganho de produtividade, as empresas já teriam feito redução de jornada.
Como seria possível viabilizar?
Algumas medidas de reformas na CLT poderiam caminhar na direção de ter relação capital-trabalho mais baseada em premiar quem está há mais tempo de serviço na mesma empresa, diminuir a desconfiança entre empresários e empregados. Há excesso de legislação, muitas questões relacionadas ao custo do trabalho como um todo. Temos muito ainda a aperfeiçoar na legislação trabalhista.
A rotatividade é um dos principais gargalos da produtividade?
É um dos principais problemas do mercado de trabalho no Brasil. Tem muita gente perdendo emprego formal com carteira assinada todo mês no Brasil. O número é gigantesco e muito induzido pelos incentivos que ainda existem na legislação trabalhista para que as relações de trabalho acabem precocemente.
*Colaborou João Pedro Cecchini