
Nesta quinta-feira (1º), dia em que estreia em Porto Alegre a peça Lady Tempestade, Andrea Beltrão esteve no estúdio da rádio Gaúcha e fez o que vem fazendo ao longo das últimas quatro décadas: transitar entre o riso e a densidade com a mesma naturalidade com que fala sobre envelhecer, atuar e resistir.
Em entrevista ao programa Timeline, a atriz compartilhou reflexões sobre humor, envelhecimento, redes sociais e o impacto emocional de encenar uma história tão forte como a que é apresentada no espetáculo (veja serviço ao final do texto).
Conhecida por papéis cômicos na TV, como a Sueli de Tapas & Beijos, ela contou que nunca viu oposição entre comédia e drama, gênero da peça. Para ela, o humor continua sendo uma ferramenta poderosa de transformação:
— O humor é muito revolucionário. A gente rir de si mesmo é maravilhoso, é sagrado. É sinal de que você está bem — afirmou a atriz.
Violência institucional
A peça, em cartaz no Teatro Simões Lopes Neto do Multipalco Eva Sopher, parte dos diários da advogada Mércia Albuquerque, que defendeu mais de 500 presos políticos durante a ditadura militar.
No monólogo, ela vive uma mulher que entra em contato com os escritos de Mércia e passa a refletir sobre a violência institucional e o Brasil de ontem e hoje.
Andrea contou que o espetáculo foi possível graças à entrega dos diários originais por Roberto Monte, defensor de direitos humanos do Rio Grande do Norte.
— É a história contada por alguém dentro do momento histórico. Escrito à mão, com a letra mais linda que se possa imaginar, cursiva, cheia de curvas. A Mércia escreveu com essa letra bonita coisas terríveis — relatou Andrea.
Conexão entre duas mulheres
O material recebido pela diretora da peça, Yara de Novaes, que continha relatos de tortura, desaparecimentos e violência de Estado, foi trabalhado pela dramaturga Silvia Gomez.
— O bacana é que a Silvia, a Yara e a equipe conseguem fazer isso virar uma peça que não fosse apenas um relato, o que já seria bacana, mas, para fazer uma peça, aquilo precisa virar teatro — disse a atriz.
Em cena, a atriz interpreta as duas vozes, muitas vezes em diálogo direto.
— A Silvia faz o povo tomar contato com aqueles relatos, ela traz a Mércia voltando, criando uma dualidade, uma confusão. Essas duas mulheres se conectam na história, no palco, com a plateia, porque é tudo contado e narrado para o público — contou.
Vítimas da ditadura

O espetáculo, que teve duas temporadas esgotadas no Rio de Janeiro, foi assistido tanto por jovens quanto por pessoas que viveram a repressão. Andrea relatou a emoção de receber quatro mães de vítimas da violência de Estado em uma das apresentações:
— Elas foram ao teatro e foi muito emocionante. Muito forte recebê-las e chamar para contarem a sua história. Elas não esqueceram, jamais esqueceram. Seria bom que a gente não esquecesse também. Uma certa dose disso foi remédio para elas poderem contar a história e celebrarem a vida, mas esquecer tudo não dá. Eu não quero voltar para a ditadura.
Para a atriz, esquecer é parte da vida, mas o excesso de esquecimento traz riscos.
— Esquecer demais faz com que a gente repita tudo que a gente fez e não gostou e não prestou. Acho que esquecer pode ser remédio e pode ser veneno. É uma dose que a gente tem sempre que se lembrar.
Reflexões sobre o envelhecimento
A conversa também abriu espaço para temas mais íntimos, como o envelhecimento.
Com bom humor, lembrou conselhos que ouviu da atriz Tônia Carrero em um salão de beleza:
— Ela me disse: "É melhor envelhecer porque a outra (opção) é muito pior". E é mesmo. Porque a outra opção é morrer. Jovens, envelheçam!
Andrea contou que evita redes sociais — por uma escolha de saúde mental — e que prefere acompanhar o mundo pelos jornais e pelo rádio.
— A única (rede social) que eu tenho é a Rosa, minha filha, que cuida. Usei dois meses durante a pandemia e o telefone avisou que eu estava muito tempo usando. Parei na hora — brincou.
Com os três filhos já adultos, ela contou que passou a enxergar com mais clareza as angústias da juventude, como a incerteza diante das escolhas.
— Ter certezas é uma furada. Bonito mesmo é ver alguém crescer, se atrapalhar, não saber o que fazer, cheia de dúvidas e incertezas. Isso é humano. É lindo isso. A vida presta, como diz Fernanda (Torres).
Peça "Lady Tempestade"
- Desta quinta-feira (1º) a sábado (3), às 20h, e domingo (4), às 18h
- Teatro Simões Lopes Neto do Multipalco Eva Sopher (Rua Riachuelo, 1.089), em Porto Alegre
- Ingressos a partir de R$ 80 pelo site do Theatro São Pedro