
Em apenas cem dias, o presidente dos Estados Unidos de plantão, Donald Trump, conseguiu um feito inédito: abalou as bases do próprio capitalismo do qual se considera estrela e provocou um cenário inimaginável em décadas, o de fuga do mercado americano.
A disrupção que abalou dois totens da maior economia de mercado do planeta – os títulos do Tesouro americano e o próprio dólar – é comparada à provocada pela epidemia de covid-19. E o mais curioso: só surpreendeu quem não acreditou no próprio Trump.
Mesmo com o recente sinal de abertura de negociação com a China, há muito estrago já feito. Primeiro, a tarifa de 10% que segue vigorando ante 184 países – excluindo as ilhas onde só vivem focas e pinguins –, o que significa cinco vezes mais do que a alíquota média que existia antes do famigerado Dia da Libertação.
Em resultado, o comércio internacional encolheu, as maiores promessas tecnológicas americanas registram perdas bilionárias, empresas tradicionais falam em cortar investimentos e aumentar preços, e o crescimento global vai desacelerar, conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI).
No momento em que a melhor comparação histórica a Trump que os americanos fazem é com o governo Nixon, analistas veem o atual governo como o segundo pior, ao menos no impacto ao mercado financeiro.
Um dos fundadores da consultoria Eurasia Group e seu presidente, Ian Bremmer, constata que o índice mais abrangente da bolsa de Nova York, o S&P 500, caiu 7,9% entre 20 de janeiro, data da posse, até o centésimo dia de governo. E diagnostica que é "o pior para o mercado de capitais desde Nixon nos anos 1970".
Em entrevistas, Bremmer acrescentou que os primeiros cem dias de Trump foram "exatamente como se esperava".
— E isso fez dos EUA hoje os principais difusores da incerteza geopolítica e econômica — completou.
Brasil tem oportunidade, se...
Para o Brasil, o impacto imediato não foi tão ruim. Conforme o economista André Perfeito, houve fluxo positivo para a bolsa de valores no ano de R$ 1,62 bilhão, mesmo depois da saída de R$ 3,26 bilhões em abril.
Para além do fluxo financeiro, mais imediatista, o país se apresenta como opção de parceiro comercial para a China. Na segunda-feira (28), o governo chinês afirmou oficialmente que a soja brasileira pode substituir os grãos dos EUA no abastecimento do país.
Se o governo souber avaliar corretamente a oportunidade, é possível que venha a ser visto, também, como opção de investimento. Para que isso ocorra de fato, porém, é preciso criar as condições adequadas. Não estamos tão longe que seja impossível, nem tão perto que possamos conviver por mais tempo com distorções históricas, como desincentivo à produção local e descuido com o equilíbrio fiscal.
Os pontos positivos
Foi difícil, mas a coluna encontrou: ao menos até agora, Trump não invadiu o Panamá nem a Groenlândia e também, por enquanto, não anexou o Canadá. Isso sim era bravata. O resto...