
Um dos mais jovens presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Gustavo Montezano assumiu o cargo aos 38 anos, em junho de 2019, depois do pedido de demissão de Joaquim Levy. Ficou até o final do governo Bolsonaro.
Pouco depois, fundou a Yvy, uma gestora de investimentos que, conforme descreve, "só faz transição para economia verde, muito focada na cadeia produtiva do agro e da infraestrutura". Um dos sócios é o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes.
Graduado em engenharia mecânica pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e mestre em finanças pelo Ibmec, Montezano compara a atual crise gerada pelo tarifaço de Donald Trump com as da pandemia e de 2008 nesta entrevista concedida durante o Fórum da Liberdade.
O derretimento dos mercados na quinta e na sexta-feiras é sinal de nova crise global?
Não chamaria de uma crise global, chamaria de um novo momento global. Existem três grandes forças na agenda global que são inexoráveis e ficarão aí por muito tempo. A primeira é a agenda climática, ambiental. A segunda envolve as tensões geopolíticas, e a terceira é representada pela guerra comercial. Mas a verdade é que as três estão totalmente ligadas de forma umbilical. Então, a dinâmica climática, comercial e geopolítica é o novo contorno de ambiente econômico dos próximos 10, 20 anos. Temos de se acostumar.
Essa reação tão aguda é algo que com o tempo vai passar?
Como qualquer crise. Se lembrarmos, por exemplo, da pandemia, as bolsas de valores despencaram e, logo depois, voltaram a subir. Toda vez que ocorre uma ruptura do status quo, em que as pessoas não sabem o que vai acontecer, o primeiro comportamento é perda de valor, é natural. Para onde vai depois, não dá para saber. É um momento de ruptura, o atual presidente americano está rompendo o status anterior e criando uma nova dinâmica de guerra comercial, que na visão da Yvy Capital chega para ficar. A tensão geopolítica, a guerra comercial e a agenda climática chegaram para ficar e vamos ter de nos habituar a trabalhar com isso. Banqueiros, investidores e empresários vão ter de aprender, assim como vão ter de aprender de meio ambiente, de clima. É um desafio enorme para essa geração.
Há uma análise de que o tarifaço e a primeira reação da China representam o fim da globalização. É um risco real?
Não dá para chamar de fim da globalização, porque o processo da democracia liberal no Ocidente começa após a Segunda Guerra Mundial. Foram 80 anos de maior interconexão das carreiras produtivas. Então, os produtos passam às vezes por 20 países até chegar à nossa casa. A globalização aumentou muito, muito rápido, e gerou muita riqueza. Tirou bilhões de pessoas da Ásia da pobreza, segurou a inflação nos Estados Unidos e na Europa. Agora estamos em um momento em que retroage um pouquinho.
É como se a Terra girasse para trás?
A Terra vai girar ao contrário um pouquinho. Vamos ter um mundo muito mais multipolarizado, não só bipolar. Momentaneamente, vejo um retrocesso nas conexões internacionais, onde não só o preço do produto final é importante, mas de onde está vindo, nas mãos de quem está passando e de quem os países estão dependendo naquela cadeia produtiva. A pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia acenderam o alerta para isso.
Seja chinês, europeu ou americano, de alguma forma, tem de comer e ter energia. E o Brasil consegue oferecer os dois.
A perspectiva de que Trump anunciou tarifas tão brutais apenas para negociar é correta?
Com certeza é para negociar, com certeza é uma cartada forte para a mesa de negociação começar. Nossa visão de médio e longo prazo é de que o mundo vai se organizar em grandes blocos. O maior exemplo próximo é a União Europeia, que foi feita por uma associação política. Em uma esfera muito menor, não necessariamente com um elo político tão forte, comercialmente, o mundo vai se organizar em grandes blocos. Um grande bloco vai ser liderado pelos Estados Unidos, outro, pela China. Haverá outros blocos, quais são exatamente ainda não dá para saber. A demanda geopolítica desses dois grandes países, com satélites gravitacionando ao lado deles, vai ocorrer pelos próximos cinco ou 10 anos. É a nova realidade. De novo, totalmente associada ao discussão geopolítica e climática, tudo indissociável.
Dá para fazer bons negócios para proteger o clima com a principal economia do planeta olhando para o outro lado?
Com certeza. O maior consumidor de energia do mundo é os Estados Unidos, seja de energia elétrica ou de petróleo. Vamos pegar o exemplo do tema de inteligência artificial e data centers, considerado um tema de segurança pública. Existe uma corrida tecnológica e de infraestrutura para montar redes de data center, porque quem tiver mais potência de inteligência artificial, ou seja, mais data centers, terá melhor processamento e poderá dominar o jogo econômico. É uma uma guerra geopolítica. E precisa de energia para alimentar data centers, o que é totalmente ligado à agenda climática. A América do Sul tem um potencial enorme, porque ninguém tem tanta energia limpa quanto a gente. Então, seja chinês, europeu ou americano, de alguma forma, tem de comer e ter energia. E o Brasil consegue oferecer os dois.
É inexorável que, para ter um investimento mais estável e mais rentável, precisa ser sustentável.
O atual governo dos Estados Unidos não valoriza energia limpa.
Não, mas é inexorável. Não depende do governo, depende das empresas. Quem compra energia é Microsoft, Google, Meta. O governo só faz a regulação. O consumo da energia massificada é feito por empresas privadas, que querem não só energia limpa, querem que energia limpa e resiliente. Se for energia muito baseada em petróleo, vai depender do árabe, vai depender do russo, vai depender do gás. Agora, quando falamos de energia limpa, é resiliente e pode depender muito da América do Sul.
Não há giro para trás no planeta também no ESG?
Não. Na verdade, o ESG foi muito estigmatizado. Essas letrinhas foram, de alguma forma, capturadas por ideologias não necessariamente vinculadas apenas à agenda ambiental e climática. E é uma evolução natural, o mercado vai aprendendo, evoluindo e ajustando a curva da dinâmica. Às vezes, erra um pouquinho para mais, erra um pouquinho para menos. Então, o movimento de vai e vem é natural de um mercado que está amadurecendo. O mercado financeiro teve esse ciclo por várias vezes. A gestão de risco de volatilidade, a gestão de regulamentos bancários de garantia e a lei de recuperação judicial e falência, por exemplo, são ajustes que vão evoluindo, como ocorre também com o que chamamos de ESG. Agora, é inexorável que, para ter um investimento mais estável e mais rentável, precisa ser sustentável.
Quais são os negócios que podem beneficiar o Brasil nessa área?
Na Yvy Capital, empresa que fundei há uns anos, após a saída do governo, definimos a agenda de transição ambiental e climática no Brasil em dois grandes pilares: segurança alimentar e transição energética. Traduzindo para o dia a dia, estamos falando da cadeia produtiva do agro e da cadeia produtiva da geração de energia, que são as grandes potências do continente.
O grande gargalo para o América do Sul se tornar a potência que pode ser é o conhecimento.
Em energia limpa, qual tende a ser mais bem-sucedida, hidrogênio verde, solar, eólica offshore?
Energia limpa não tem uma bala de prata. É preciso ter acesso a sol, acesso a vento. Até o gás pode ser uma fonte de energia limpa. Pode ser nuclear, hidráulica, é a combinação que chamamos de matriz energética que é o nosso potencial. Como vai exportar energia, se é via data center, hidrogênio verde, aço verde, é discussão que vem em uma segunda etapa. Passa muito por legislação, regulação e pela capacidade de engenharia no Brasil, que é o desafio do conhecimento.
Embora essa percepção seja crescente, está bem estabelecida no Brasil, especialmente entre quem tem poder de decisão?
Não. Na Yvy Capital, entendemos que o grande gargalo para o América do Sul se tornar a potência que pode ser é o conhecimento. É conhecimento no setor público para fazer legislação e operação, conhecimento que chamamos de engenharia para implementar projetos, conhecimento de material humano amplo e conhecimento de educação, que é um bem raro no nosso país, infelizmente. A grande oportunidade de ganhar dinheiro com sustentabilidade deriva de ter conhecimento sobre o tema. Há um tempo natural para o conhecimento entrar nas mesas de conselho de administração, nas salas de diretorias. Precisamos criar uma geração de executivos e investidores que têm conhecimento de investimento e de meio ambiente e clima. Essa é a nossa proposta na Yvy Capital, para maximizar a oportunidade que o continente tem.
É difícil de responder, mas é possível estimar quanto tempo leva?
Trabalhamos para que seja rápido. Não dá para saber, mas vamos ficar uma geração inteira trabalhando nessa agenda. Por isso, fundamos a Yvy Capital, que é um negócio de 20, 30 anos pela frente.
Pela expectativa de quando a empresa foi fundada, a evolução está mais rápida, mais lenta, ou no ritmo projetado?
Diria que está no ritmo que projetávamos. Por isso, somos uma casa de investimentos que só faz transição para economia verde, muito focada na cadeia produtiva do agro e da infraestrutura, porque esse conhecimento gera uma vantagem competitiva para gente.
Tem um grande negócio que vocês tenham feito que vocês consideram emblemático desse novo momento?
Sim, investimos no ano passado em uma empresa de agrotech chamada Solinftec. É de tecnologia agrícola que entendemos ser a principal empresa de inteligência artificial de agricultura das Américas. É uma empresa de eficiência agrícola, mas que nunca se viu como sustentável. O que a Solinftec traz de economia de óleo diesel e de economia de agrotóxico é tão grande que o impacto ambiental que essa empresa tem potencial nunca foi precificado. Então, nosso trabalho é justamente fazer com que esse valor ambiental passe a valer mais dinheiro ainda.