
Pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) faz análise detalhada do desempenho de economias regionais. A primeira é do Sul por causa da enchente no RS, segundo Juliana Trece, economista do Núcleo de Contas Nacionais e coordenadora do Monitor da Atividade Econômica da entidade. Uma das conclusões é que o PIB de Santa Catarina cresceu 2,5% ao ano entre 2001 e 2024, único acima da média nacional. O do RS avançou apenas 1,5% ao ano, único com taxa inferior à média nacional no mesmo período. O assunto é espinhoso, mas essencial para os gaúchos que querem mudar esse resultado. No estudo, Juliana e os colegas Claudio Considera e Isabela Kelly estimam que o RS vai crescer quase inacreditáveis 4,2% no ano da grande catástrofe. Ela mesma relativiza o dado nesta entrevista.
Por que houve a decisão de se detalhar o comportamento da economias regionais?
No Ibre, coordeno a equipe do Monitor no PIB, que procura mensurar a atividade econômica do Brasil. Para isso, precisamos entender mais o país, que é muito grande. Percebemos que faz sentido entender melhor as economias regionais. O Brasil cresceu 3,2% em 2023, mais 3,4% em 2024. A ideia é ampliar a quantidade de Estados investigados. E começamos pela Região Sul. A cada trimestre vamos apresentar atualizações.
Por que começou com a Região Sul?
Já havia a ideia de que tínhamos de analisar melhor as regiões. Precisávamos escolher, e decidimos começar pelo Sul porque houve a enchente. Isso nos ajudaria a entender melhor território e o Sul com um todo.
Existe a percepção de que o Sul é uma região mais homogênea?
Sim, partimos dessa premissa, mas constatamos que os resultados recentes são muito diferentes. A percepção vinha do equilíbrio da participação dos Estados no PIB da região. Mas ainda é a que tem maior homogeneidade, principalmente agora que o RS, que era o maior, perde, e SC, que era o menor, ganha.
Esse tema preocupa o Estado, há diagnóstico das causas?
Não aprofundamos o diagnóstico, mas temos alguns indícios. Assim como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul tem situação fiscal muito complicada (o alto endividamento e o Regime de Recuperação Fiscal). Isso influencia no desempenho da atividade econômica. A restrição fiscal não permite ao Estado adotar ações para tornar a economia mais pujante. Nos últimos anos, o RS tem crescido abaixo da média nacional. E o Sul como um todo também, muito por causa disso. Santa Catarina cresce acima da média nacional desde 2017 e o Paraná vai em ritmo parecido.
Há outros fatores?
Um aspecto a frisar é que a agricultura pesa mais no RS do que nos outros Estados do Sul. Santa Catarina tem menos oscilação nesse segmento porque a pecuária tem peso quase idêntico ao da agricultura. No PIB, os catarinenses sofrem menos com eventos climáticos. Como o RS é mais dependente, pesa mais esse problema que, como sabemos, tem tendência de aumentar. Isso tende a afetar mais uma economia muito dependente da agricultura, por sua vez muito sensível a questões climáticas. Como o RS também tem agronegócio muito desenvolvido, com a transformação dos insumos agrários e a fabricação de alimentos, também essa cadeia tende a ser mais afetada pelo clima.
São claros os motivos pelos quais Santa Catarina começou a crescer mais em 2017?
É desde quando cresce acima da média nacional. Tanto a indústria quanto os serviços estão indo muito bem. O grande destaque são os serviços, especialmente os de informação, tecnologia, inovação. Esses segmentos estão muito fortes em SC e estão ajudando o Estado a ter esse bom desempenho. Quando a inovação é forte, a indústria se beneficia. Em Santa Catarina, os segmentos de transporte e da indústria metalúrgica vão muito bem. É o Estado que vemos com crescimento mais disseminado.
O estudo ajuda a entender como, no ano da grande catástrofe, o crescimento do RS foi tão forte?
É difícil enfrentar as perdas, e é difícil repará-las. O que dizer para as pessoas que ainda sofrem as consequências? Mas temos de explicar nossa previsão de um crescimento de 4,2%. Metade vem da agropecuária. Conforme o IBGE, 90% da safra de verão do RS foi colhida entre janeiro e abril. E a produção de soja cresceu 69,2%, conforme o LSPA (Levantamento Sistemático da Produção Agrícola). Quando em maio vem a chuva e paralisa o Estado, já estão garantidos dois pontos percentuais de crescimento.
E os outros dois pontos?
A indústria veio bem perto de zero, teve crescimento que estimamos em 0,7% em 2024. Foi muito afetada, houve perda de máquinas, de capacidade de produção. Como vinha de queda no ano anterior, a base de comparação é fraca e o resultado não parece tão ruim. Quando se olha para cada setor, fica mais claro. Fabricantes de máquinas e equipamentos e de veículos foram muito impactados. Mas houve pequeno crescimento porque aumentou a produção de biocombustíveis. Não sei se é análise ou torcida, mas seria ótimo se fosse uma resposta à preocupação climática, uma forma de as cidades se tornarem mais resilientes. O segmento cresceu 17%. O segmento metalúrgico também cresceu, para ajudar na reconstrução de máquinas, para remontar o Estado mesmo. É uma indústria importante no Estado.
No setor de serviços, o varejo teve bom desempenho, não?
Os serviços do RS cresceram 3,15% em 2024 na nossa estimativa, depois de subir só 1,8% em 2023. Não surpreende porque, como houve muita perda material, o comércio foi beneficiado pela necessidade das pessoas de readquirirem roupas, eletrodomésticos, mobiliário. Até a indústria de vestuário, em que o Estado vem perdendo participação, ficou mais forte. Durante a enchente, ainda sem muitos dados, as expectativas eram mais pessimistas. Mas já prevíamos que, quando baixasse, as pessoas iam voltar à vida normal e a reconstrução movimentaria a atividade econômica. Mesmo assim, crescer 4,2% com uma enchente do tamanho que houve – nunca no país houve uma tragédia ambiental desse tamanho –, é difícil de explicar. Mas nos números, o agro e os serviços explicam.
O que mais chamou atenção no estudo?
O fato de haver um movimento tão diferente entre Estados que têm renda per capita parecida. Não achei que seria tão grande. De positivo, o fato de SC estar entrando nesse mundo mais digital, com mais inovação. E negativo, o de o RS estar perdendo participação no PIB nacional, com dificuldades nos três setores. A dependência da questão climática acaba sendo algo a ser destacado, embora negativamente.
Que recado embute para o RS?
Mostra que não se pode depender tanto de uma só atividade. A experiência de SC ensina muito porque a economia é diversificada. A preocupação com as questões climáticas não se relaciona só à economia. Há perdas de vidas, causa problemas psicológicos. Depois da tragédia, fica um temor de qualquer chuva forte, de passar por aquilo tudo de novo. É preciso ter medidas de maior resiliência às mudanças climáticas, que já estão acontecendo e tendem a se agravar. Como carioca, sei que estamos competindo terrivelmente, porque o Rio também está muito mal. Mas é importante ver o quanto é importante a prevenção para evitar novas tragédias.