A cerimônia de posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi tão ortodoxa quanto todas as demais antes da anterior, que teve liturgia prejudicada pela sua ausência. Mas o discurso violento, inclusive com acusações de corrupção e manipulação jurídica quase encarando o antecessor, Joe Biden, deu o tom de fim de um mundo.
Todo o conteúdo provocativo da campanha foi repetido: o aumento do imposto de importação – e pelas declarações de Trump, alguns mais –, a deportação de imigrantes ilegais e até "drill, baby, drill", a convocação do republicano para aumentar a produção de petróleo e gás que já transformou os EUA no maior produtor do mundo.
Entre os decretos de emergência que antecipou no pronunciamento formal, não houve menção a um específico para elevar tarifas. Anunciou uma para fechar a fronteira com o México:
– Todas as entradas ilegais serão impedidas e vamos começar o processo de retornar milhões de imigrantes e criminosos ao lugar de onde vieram. Vou enviar tropas para as fronteiras do sul para impedir essa invasão que vem acontecendo no país.
É um discurso que soa estranho em um país construído pelo trabalho de imigrantes do mundo inteiro e simbolizado por uma estátua instalada no local em que eram recebidos – a da Liberdade na ilha de Ellis. E ainda mais estranho uma vez que a própria mulher de Trump, Melania, é imigrante, e a mulher de seu vice, J.D. Vance, Usha, é filha de imigrantes.
E outro decreto de emergência foi anunciado para permitir maior exploração de petróleo, com ambição de fazer um choque de preços de energia. Quer extinguir as restrições criadas por Biden à perfuração offshore e em terras federais.
É um discurso que pode provocar aplausos dos aliados, mas não guarda relação certa de causa e efeito. Embora o poder dos EUA na definição de preços de energia tenha aumentado muito, o efeito dessa medida enfrenta dois obstáculos: o primeiro é que o aumento da produção leva tempo, o segundo é que não assegura preços mais baixos para os americanos, como prometeu.
Os preços são definidos globalmente, e inúmeras variáveis pesam na formação, da economia chinesa à geopolítica. Sobre aumento de impostos de importação, Trump só confirmou a intenção, sem detalhamento nem decreto de emergência, como chegou a ser cogitado.
– Vamos taxar outros países para enriquecer a nossa população.
Outro anúncio impactante, embora não surpreendente foi o fim do "Green New Deal" (Novo Acordo Verde, em tradução literal, mas uma alusão ao New Deal que tirou os EUA da recessão entre os anos 1930 e 1940). O plano de Biden previa medidas para combater as mudanças climáticas e facilitar o acesso a energias renováveis.
— Vou acabar com a obrigação de comprar carro elétrico — disse um desembaraçado Trump na frente do chefe do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), Elon Musk, dono da segunda maior fábrica desses veículos do mundo.
Depois de uma fase em que o poder hegemônico dos EUA foi alvo de para tentativas de autocontenção, agora o "porrete" voltará. Ao menos, se Trump conseguir.