Bem recebida pelo mercado, com a alta das ações das duas companhias aéreas, uma eventual fusão entre Azul e Gol tem um caminho difícil pela frente, avalia o ex-conselheiro do Conselho Administrativo da Defesa da Concorrência (Cade) Cleveland Prates.
Embora o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, tenha afirmado que o pior cenário seria o em que as duas empresas "quebrassem", Prates argumenta que há expectativa de que a Gol saia bem da recuperação judicial e que "há opções melhores para que ambas saiam da situação financeira delicada".
— Estudos de longa data mostram que uma fusão nesse mercado é muito complicada. Na época dos problemas da Avianca Brasil, foi definido que seria melhor que uma empresa que não atuasse no Brasil comprasse a empresa. Era um problema concentrar, isso que a operação da Avianca era muito menor. Entre Azul e Gol, seria muito mais complexa, dada a quantidade de slots (direito de pousar em e decolar de aeroportos) que ficará nas mãos de uma única empresa.
Prates vê dois níveis de dificuldade na aprovação da fusão. O primeiro é o avanço do acordo entre as empresas:
— O memorando de entendimento é muito aberto, muito vago, deixa a possibilidade de não avançar. Uma das premissas é a de que a fusão só ocorre se as duas, lá na frente, estiverem financeiramente bem.
Caso as duas concordem em se unir, pondera que o Cade pode não autorizar o processo, tamanha a concentração representada pelo negócio. Mesmo que a frase do ministro tenha dado sinal de que o governo deseja essa solução, afirma.
– O Cade é totalmente independente e é orientado a tomar a decisão que garanta a concorrência, não o emprego. Mesmo que houvesse risco de falência, fusão só seria aprovada se não houvesse opção melhor, e há opções melhores. A Latam está saindo bem do Chapter 11 (regra americana equivalente à recuperação judicial), a Gol está no mesmo caminho e a Azul ainda tem a opção de entrar no Chapter 11 (até agora, a empresa só fez um acordo extrajudicial com credores).
Quando o Cade aprova uma fusão que resulta em muita concentração de mercado, costuma impor restrições à empresa resultante. No caso de companhias aéreas, esse remédio existe, mas tem implementação complicada, diz Prates:
— Seria obrigar a abrir mão de slots e vender para uma terceira, uma nova concorrente. Mas se obtiver poucos slots, não vai conseguir crescer. A companhia resultante da fusão terá cerca de 60% do mercado, será muito forte. Pode concentrar slots nas rotas da concorrente, jogando o preço para baixo e inviabilizando a nova empresa.
Diante da baixa probabilidade de uma nova empresa querer atuar o setor, que atravessa uma crise, a coluna indagou se a transferência de slots para a Latam, que seria a única competidora restante, bastaria para evitar tanta concentração.
— É por isso que a operação é tão complicada. Nesse caso, não digo que as duas trabalhariam em colusão (colaboração sem combinação explícita) ou cartel. Mas por que a Latam compraria briga com uma empresa tão grande se só vai perder? Nesse caso, o melhor para as duas seria manter o preço alto — foi a resposta.