O título desta entrevista pode surpreender, especialmente quem não acompanha a trajetória de Gustavo Werneck como CEO da Gerdau, empresa nascida em Porto Alegre há 123 anos. Deu peso e consistência a iniciativas sociais e ambientais e foi um dos primeiros representantes da iniciativa privada a prometer "toda a ajuda" na reconstrução do RS depois da tragédia de maio. Na primeira semana deste mês, Gustavo dedicou dois dias de sua agenda para monitorar essas iniciativas no Estado. O executivo, é bom lembrar, foi um dos cotados para assumir a Vale e administra negócios em uma dezena de países.
Como tem evoluído o apoio da Gerdau à reconstrução do RS?
Tivemos dois dias só para verificar como os recursos estão sendo aplicados, se a velocidade é adequada e se existem demandas de funcionários e da comunidade que não atendemos. Verificamos a reforma de casas dos colaboradores, de escolas, e se tudo que dissemos para a sociedade que íamos fazer está sendo implantado.
Uma das iniciativas é reformar a casa dos funcionários?
Entendemos que a primeira ação significativa era cuidar da nossa gente. Tivemos 250 pessoas impactadas, que perderam parcial ou totalmente suas residências. Estamos reformando ou reconstruindo.
A velocidade é satisfatória?
Agora, sim. Começamos com certa dificuldade de mobilizar construtoras e outros parceiros, mas um terço das residências foi entregue. Nos outros dois terços, teremos velocidade maior, porque entendemos como fazer as parcerias funcionarem.
Qual o valor empregado até agora pela Gerdau na ajuda à reconstrução?
A empresa contribuiu com R$ 44,3 milhões, e a família Gerdau Johannpeter, com cerca de R$ 30 milhões. O total de ajuda é de R$ 74 milhões, e não vai parar por aí. Seguimos buscando parcerias.
O que chamou atenção em sua passagem pelo Estado?
Existe uma força muito grande dos gaúchos e das gaúchas, que querem retomar a vida e reconstruir. Não se vê lamentação, mas uma firmeza de propósito como poucas vezes vi em eventos como esse. Fiquei muito impressionado com isso, sabe? E mesmo pessoas que estão passando dificuldade olham para o lado e dizem 'tem alguém que precisa mais do que eu'.
Há reclamação porque recursos de governos demoram a chegar, e parte da ajuda privada depende de definições públicas. Não é possível acelerar?
Sim, há boas experiências e outras que não andam. Temos uma frente na Serra para reconstruir pontes. O recurso está disponível, o aço está no pátio, mas há dificuldade de engenharia e aprovação de órgãos de transporte, certificação do Crea. Em habitação, também há iniciativas que avançaram e outras ainda em fase de projeto, licenciamento.
O problema é público ou privado?
Vejo muito o governador como um elo com o governo federal e os municipais, nunca o vi querendo ter protagonismo. Quer, como servidor público do Estado, resolver o problema. Outra necessidade é comunicar o que está sendo feito, para a sociedade não ficar com a sensação de que as coisas não estão andando. Isso é importante também para reforçar a ajuda, porque motiva a doar mais.
Há sugestão para resolver esse problema?
Passa por governança. É complexo, mas o ritmo deve se acelerar nas próximas semanas e meses. É preciso trazer engenheiros de fora do Estado, usar recursos que não estão aqui. Uma das nossas preocupações é que as crianças voltem para a escola, mas ainda há pessoas abrigadas. Por isso, estamos financiando parte das moradias provisórias da ONU. Aí chega, monta e dá libera as escolas para as crianças. Estamos focando em reformas de escolas em Charqueadas, Sapucaia, São Jerônimo e Porto Alegre. Mas acreditamos que agora as coisas parem de caminhar e comecem a correr.
Vocês podem fazer mais aportes se for necessário?
Sim, podemos. Quando a gente identifica um projeto com boas chances de ser implementado e trazer resultados, estamos sempre prontos a entrar juntos.
Já houve casos?
Temos ligação forte com Edu Lyra, da Gerando Falcões. Quando ele traz possibilidades, sabemos que vai transformar em realidade, então aportamos recursos. Não temos um valor final, sempre que surgirem bons projetos vamos ajudar. No dia 11, vamos lançar mais um projeto. Vai ser a primeira Favela 3D (de vida digital, digna e desenvolvida), que é um projeto-estrela do Edu, no Estado, em Eldorado do Sul. Isso não estava no nosso radar. Apareceu a oportunidade, fomos convidados, é uma excelente forma de ter a primeira Favela 3D da Gerando Falcões aqui. Somos os maiores parceiros deles, estamos indo para a terceira. Em São Paulo, onde apoiamos o The Town, fizemos na favela do Haiti, que está lindaça. Não só do ponto de vista da infraestrutura, mas de emprego, renda, escola. Lá, 96% dos moradores estão trabalhando e 100% das crianças estão em creche ou colégio. Para esse projeto, vamos subir pelo menos mais um (R$ 1 milhão). De certa forma, viramos um pouco catalisadores de projetos e não vamos deixar esmorecer. O tempo passa e as pessoas esquecem da tragédia. Queremos manter a chama acesa. A situação só vai ser resolvida quando a última família estiver de volta às condições em que estava.
Qual é o maior desafio?
Nos dois primeiros meses, não havia informações convergentes. Tanto que, quando conversamos com o governo do Estado, apoiamos o Movimento Brasil Competitivo para trazer uma consultoria, a Macroplan, e fazer um plano de retomada das aula em todas as escolas do Estado. A secretaria estava tão sobrecarregada de demandas e necessidades que não conseguia fazer isso. Agora tem uma lista, e cada pessoa ou empresa pode ajudar, reformando ou doando um refrigerador.
Que lição isso deixa, porque pode haver outras tragédias?
Esse não é um problema do Brasil, é global. Temos de lidar com situações que nunca aconteceram no mundo. Ouvimos do governador que ele trabalha em uma frente muito robusta com consultorias, com conhecimento de outros países, para poder melhorar as respostas a situações como essa. Então, não dá pra prever com antecedência, mas na iminência de acontecer, que a sociedade seja informada, que as ações estejam prontas, que haja plano de emergência. O conhecimento para lidar com esse grau de complexidade ambiental vai ser gerado nesse evento, vai ser traduzido em planos de respostas à emergência muito mais robustos.
Na origem da catástrofe, está a mudança do clima, e hoje há certa relativização do foco em ESG (governança corporativa, social e ambiental). Como é possível?
É por isso que a Gerdau usa sucata de forma crescente e o aço como solução para várias tecnologias. Parte da remuneração dos executivos da empresa é atrelada à redução de gases de efeito estufa. Entendemos que haverá uma separação de quem leva esse assunto muito a sério e dos que aproveitaram a onda, mas não querem surfar até o final. Empresas como a nossa têm compromisso de não deixar esses temas esmorecerem. E além da importância do tema ambiental, o Brasil urgência no foco social.
Até o BlackRock (um dos maiores fundos de investimento do mundo), que sempre incentivou a aposta em ESG, recuou.
O ESG se disseminou quando os resultados financeiros das empresas eram muito fortes. Com pandemia, conflito de Rússia e Ucrânia, houve maior dificuldade de gerar resultados. Os investidores começaram a questionar se não era hora de voltar a ter foco nas finanças. Se o mundo estivesse em equilíbrio, talvez não houvesse essa desaceleração. Um exemplo de como nos mantemos nessa jornada é a certificação de nossas operações nos Estados Unidos como empresa B. Hoje, 70% das ações que não estão na mão da família Gerdau, estão nas mãos de gringos, de investidores tradicionais de peso como o BlackRock. Não temos de avançar só por pressão dos investidores, é impossível que o mundo não caminhe na direção da sustentabilidade.
E é possível conciliar com bons resultados, não?
A melhor forma de gerar resultado financeiro para a empresa é reverter em ganhos para a sociedade. Para nós, não existe a mínima discussão se esses temas vão continuar progredindo ou não. A grande questão, hoje, é o custo da descarbonização. É tão alto que o balanço das empresas não vai ser suficiente para pagar a conta toda. Se não houver incentivo público para ajudar as empresas a promover a descarbonização até 2050, isso não vai acontecer. É impossível. Por mais que as empresas tenham desejo, o balanço não paga a conta.
Os governos, por sua vez, estão ultraendividados. Temos um impasse?
Não é simples. Mesmo na Europa, um dos grandes incentivadores da transição, poucos recursos estão sendo direcionados. Na Espanha, é possível deixar de pagar determinados impostos, desde que comprove investimento para descarbonizar. O Canadá está começando. A Alemanha é um país industrializado, veio o conflito da Rússia com a Ucrânia, o preço do gás natural, saiu de US$ 3 para US$ 16, agora a Volkswagen diz que vai fechar a capacidade na Alemanha.