Parecia que a manobra de evitar corte de despesas seria barrada por um zagueiro mais esperto, mas o relator do projeto de lei do orçamento do próximo ano, Danilo Forte (União Brasil-CE) não foi forte o suficiente - trocadilho irresistível - para evitar o drible.
Entrou para o relatório que vai à votação na próxima semana a esperteza da mudança nas regras de contingenciamento de gastos previstas no novo arcabouço. A esperteza que limita os cortes a R$ 23 bilhões em todo o próximo ano estava prevista em emenda do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Embora tenha rejeitado a emenda, Forte acabou incluindo um mecanismo muito similar no relatório que servirá de base para a apreciação das contas do próximo ano. Um dos dispositivos prevê o mesmo efeito líquido: reduz o bloqueio máximo de despesas em 2024 de R$ 56 bilhões para R$ 23 bilhões, independentemente de haver ou não déficit zero.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, que costumava destacar os pontos positivos do novo marco fiscal, agora avalia que essa mudança "piora o arcabouço" e abre um "precedente perigoso". Outro superespecialista em contas públicas ouvido pela coluna, Mansueto Almeida, já havia apontado que, caso fosse aprovada, a emenda representaria "mudança da regra fiscal".
Salto adverte, porém, que se esse dispositivo for aprovado, o governo terá um desafio enorme: cortar apenas R$ 22,3 bilhões (seu cálculo é ligeiramente diferente da média) do limite fixado no projeto de lei do orçamento R$ 2,06 bilhões. "Isso vai dificultar ainda mais a observação da meta fiscal, mesmo considerada a banda inferior de -0,25% do PIB (ou R$ 29 bilhões)", escreveu o ex-secretário do Tesouro em seu relatório sobre a manobra.
Apesar do revés para a imagem de fiador do ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o mercado não se escandalizou, aparentemente: dólar e bolsa operam em levíssimas altas, quase em estabilidade.