Com perda na produção de cerca de 255 mil carros no Brasil para atender ao mercado doméstico, metade das montadoras do país enfrenta outro problema: podem ficar com unidades quase prontas incompletas para sempre.
Em conversa com um grupo de jornalistas na manhã desta segunda-feira (6), o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, afirmou que uma mudança de regras no setor, associada à falta de semicondutores que travou a produção, pode provocar a impossibilidade de terminar a montagem de um número indeterminado de carros.
A coluna explica: o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) prevê que, a partir de 1º de janeiro de 2022, não podem mais ser fabricados no Brasil carros classificados como L6. Só serão admitidos os que seguirem as exigências da categoria seguinte, a L7, que impõe limite mais rígido de emissão e permite maior economia de combustível.
Os automóveis produzidos até 31 de dezembro de 2021 podem ser vendidos até 31 de março de 2022, mas é proibido produzir depois do final deste ano. Segundo Moraes, a crise dos semicondutores fez com que muitos veículos estejam quase prontos, esperando apenas módulos ou sistemas que dependem desse fornecimento:
— Em janeiro, não será mais possível produzir L6. Quem ficou sem semicondutores e não terminou até dezembro não poderá mais completar aquele veículo.
O número de carros que podem ficar incompletos para sempre só é conhecido em cada montadora, afirmou o presidente da Anfavea. A tentativa de resolver o impasse passar por aumentar o prazo com o governo federal. Moraes não quis dar detalhes, mas disse que a intenção é obter algum tipo de autorização especial, muito pontual:
— Não queremos rever o Proconve, apenas mostrar o problema para que o governo entenda. Cada empresa já levou sua situação, a Anfavea está organizando uma reunião para levar o tema geral.
Conforme a Anfavea, em 2022 a falta de semicondutores deve diminuir, mas só deve se estabilizar em 2023. Uma estimativa do Boston Consulting Group (BCG) é de que 10 milhões de veículos tenham deixado de ser produzidos em 2021, mas em 2022 esse número deve cair à metade. Moraes explicou que, durante a pandemia, a indústria automobilística parou, os chips que eram destinados a esse segmento foram absorvidos por outros, como jogos, eletroeletrônicos e computadores. Agora, é preciso esperar uma ampliação da capacidade das fabricantes para regularizar as entregas, o que leva de um a dois anos.
— Além da pandemia, houve nevasca no Texas, incêndio no Japão, faltou água em Taiwan, paralisação por contágio de coronavírus na Malásia — detalhou, sobre as causas do "apagão" de semicondutores.
Diante desse quadro, a coluna quis saber se essa crise pôs em xeque o sistema "just in time" (entrega de peças e partes só no momento em que são usadas na linha de produção). Moraes admitiu e brincou, dizendo que, agora, deve prevalecer o modelo "just in case" (algo como "por via das dúvidas"). Mas também deu uma resposta muito séria:
— Diante da fragilidade do sistema global de logística, é provável que esse sistema seja revisitado. Outra discussão crescente é sobre ter mais conteúdo local, para não ficar na dependência das cadeias globais. A indústria de semicondutores é estratégica para o país. Não podemos ficar tão dependentes dos países da Ásia. O Brasil precisa de uma indústria robusta de semicondutores. Não para resolver essa situação de momento, mas no longo prazo. O consumo de semicondutores só vai crescer, inclusive com o 5G. Hoje um carro usa cerca de mil chips, os elétricos e híbridos usarão 2 mil. Estamos tentando sensibilizar o gov a puxar essa indústria, porque é estratégica do ponto de vista geopolítico. Gera um nível de trabalho muito qualificado, exige muita pesquisa e desenvolvimento. Defendemos que o Brasil precisa de uma indústria de semicondutores. Política industrial não é pecado.