Uma sigla de três letras invadiu as reuniões empresariais: EGS, acrônimo em inglês de Environmental, Social and Corporate Governance. Em bom português, trata-se de boa gestão com focos ambiental e social. Já tem índice na bolsa e dia especial no calendário corporativo. Mas pode ser moda passageira e embute o risco da "maquiagem verde", também chamada de greenwash, ou seja, o perigo de que as companhias sigam as melhores práticas, mas só na teoria. Kayo Soares é CEO da Arvut, consultoria de Porto Alegre que tem clientes como CMPC, Queiroz Galvão e Braskem. Passaram pela Arvut obras como a nova ponte do Guaíba, a ampliação da fábrica da CMPC, a Ferrovia Transnordestina. Mineiro e formado em Oceanografia pela Fundação Universidade de Rio Grande. (FURG), Kayo argumenta que é preciso aproveitar a "onda ESG" para incluir seus temas no propósito das empresas, em vez de permitir que se torne apenas um checklist de ações para preencher relatórios ou se credenciar a investimentos.
Como você se relaciona com o ESG?
Sou oceanógrafo e trabalho desde 2010 com consultoria e assessoria ambiental para a implantação de empreendimentos, especialmente em grande obras de infraestrutura. Sempre atuamos com o viés do desenvolvimento sustentável, para mitigar impactos negativos e potencializar os positivos. Mas o foco, na maioria das vezes, é cumprir as condições legais para a implantação do empreendimento que tem certo grau poluidor. A legislação obriga a ter estudo de impacto ambiental, propor medidas de compensação. São regras impostas. O que começou a se observar nos últimos anos, com as mudanças trazidas pelo ESG, é um planejamento prévio ao licenciamento para que no processo de concepção do projeto sejam incorporados aspectos que vão além de cumprir os requisitos legais.
É apenas uma "nova moda"?
Esse é o grande risco. A questão ambiental é uma preocupação desde a década de 1970. A Rio 92 trouxe a agenda da sustentabilidade. Mas, em algum momento, esse processo virou um mero checklist, o cumprimento de requisitos para ter um índice, em vez de avaliar de fato se as ações geravam impacto positivo. O conceito de ESG vem muito atrelado ao mercado financeiro. Os fundos que avaliam riscos de investimento veem projeto ou empresa que não cuidam de aspectos ambientais, sociais e de governança, como geradores de risco para o investidor. Então, o objetivo é mitigar o risco. Quem quer captar viu que tem de estar enquadrado nesse processo. Essa é a preocupação, que as ações de ESG não sirvam apenas para cumprir índice, mas tenham real impacto na vida das pessoas. Não é ESG de verdade se não tiver um olhar sistêmico. As empresas que conseguirem enxergar isso vão gerar valor compartilhado, serão responsáveis com a comunidade, os trabalhadores, a mão de obra local. O consumidor quer saber se a roupa que compra não tem trabalho escravo, exploração de de mão de obra. Quer saber se não contribui para o desmatamento ilegal. Isso foi acelerado na pandemia, e a saída da pandemia vai ser mais ESG. E é preciso que não só as empresas, mas também o Estado olhe para isso.
É importante que o governo, ao fazer planejamento, inclua o viés de ESG. Se não for por iniciativa própria, será por imposição do mercado.
Em que sentido?
ESG também é uma questão de Estado, de política de desenvolvimento, de geração de empregos. Os Estados Unidos, na retomada, estão fazendo um dos maiores programas de investimento em infraestrutura, quase um New Deal (que tirou os EUA da Grande Depressão da década de 1930). O Brasil, pelo déficit que tem em infraestrutura, vai ter de passar por algo parecido. É importante que o governo, ao fazer planejamento, inclua o viés de ESG. Se não for por iniciativa própria, será por imposição do mercado, que vai cobrar esse alinhamento para investir. O investidor estrangeiro, quando nos contrata para due dilligence (verificação de empresa ou projeto para aquisição ou aporte), tem muita preocupação com questões ambientais e sociais. Se o Brasil não enxergar isso, a gente pode perder o trem da História.
Como um governo com ministro do Meio Ambiente investigado por possível crime ambiental poderia atuar com ESG?
Os EUA chamaram o Brasil a ser protagonista na discussão de mudança climáticas, redução de carbono e proteção ambiental. Esse processo é uma vitrine. O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, uma costa de mais de 8 mil quilômetro, muitas riquezas minerais, vários biomas únicos, da mata atlântica ao pampa. É inegável que a imagem do ministro do Meio Ambiente coloca em xeque essas questões no Brasil. A retórica é muito importante, embora o Brasil tenha um arcabouço legal de conservação e proteção ambiental importante. Hoje, alguns Estados fazem o contraponto, assim como técnicos do Ibama muito qualificados. Só que a retórica e a imagem geram a necessidade de compensação de empresários, agentes municipais e estaduais. Precisamos de uma corrida de recuperação da imagem ambiental e internacional.
Pode gerar maquiagem: um pouco mais de marketing, um projeto social que é mais um cala-boca na comunidade do que um impacto positivo de fato
Qual a gravidade de outro risco relacionado ao ESG, o da maquiagem verde?
Como o conceito vem relacionado a um processo financeiro e responde à necessidade de captação, pode gerar maquiagem: um pouco mais de marketing, um projeto social que é mais um cala-boca na comunidade do que um impacto positivo de fato. É parecido com o que ocorre com o ISO 9000. Algumas empresas só preenchem formulários e entregam ao certificador, e sai tudo errado. Outras adotam o cuidado na prática. Haverá problema se, para fazer captações, em vez de adotar os conceitos de forma transversal, seja de forma superficial, apenas para ter acesso a recursos.
Com o que o EGS pode de fato contribuir?
Com a metodologia de análise de projetos, a empresa consegue observar as externalidades, mapeá-las e ver o potencial que têm. A agenda do ESG corre colada à da inovação. É preciso entender os ganhos com inovação, tecnologia, criatividade. Uma empresa que gera um resíduo que considera lixo, se olhar pelo viés do ESG, pode obter matéria-prima mudando um processo, por exemplo. Além disso, é uma oportunidade de fortalecimento de marca, de redução de custos, de ganho de eficiência.