Há tantas dúvidas sobre o plano nacional de vacinação elaborado pelo governo Bolsonaro que governadores e prefeitos buscam alternativas para o risco de um grande fracasso. As idas e vindas do Ministério da Saúde comandado por Eduardo Pazuello suscitam indagações sobre o que é falta de competência e o que é descompromisso com uma imunização eficiente e rápida para a maior quantidade possível de brasileiros.
Como a coluna já observou, é uma ação que deve marcar um período a.v. e um d.v. (antes e depois da vacina). O fato de o início da imunização estar ocorrendo em meio ao agravamento da pandemia no mundo, no país e no Estado parece não ter sido previsto pelo general que se credenciou ao cargo por sua especialidade em logística.
Assim como o Ministério da Saúde, a coluna constatou que a vacina de Oxford seria a mais importante para o Brasil, por representar o melhor custo/benefício, com possibilidade de grande produção nacional. Diferentemente da pasta, explicitou que seria melhor contar com todas as opções disponíveis. Essa observação não é feita com intenção de se comparar ao ministério, mas para prestar contas aos leitores sobre o que é escrito.
O problema é que a vacina de Oxford enfrentou problemas de consistência nos resultados, o que provocou o atraso de seu processo de aprovação. Como avaliou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, "se for nessa improvisação, imagino que a gente vai atravessar o primeiro e o segundo semestre apagando incêndio. Vai chegar um lotinho de vacina aqui, outro ali". Ou seja, o Ministério da Saúde tinha só o Plano A.
Agora, é obrigado a montar outros cenários às pressas, situação geradora das contradições públicas do ministro, que prometeu a vacina da Pfizer e da BioNtech para dezembro, quando o presidente da empresa americana no Brasil só garante entrega em março. Ficou feio. Pior, causou arrepios em quem tem de tomar decisões que movem milhões, quando não bilhões de reais.
Nos meios empresariais, há clara percepção das diferenças embutidas nos cenários a.v. e d.v. Economistas advertem que a retomada no próximo ano depende, acima de tudo, de quando haverá nível de imunização suficiente para dar estabilidade aos negócios. Em um mundo instável, não há incerteza maior do que a do comportamento da pandemia. Sem um 2021 alentador, Bolsonaro pode esquecer sua obsessão, que é 2022.
E aí se cristaliza a dúvida: dada a posição negacionista em relação à gravidade da pandemia e indicativa de comportamento antivacina do presidente Jair Bolsonaro, o despreparo do Brasil para a imunização da população é fruto de mera incompetência ou de inação deliberada? Em qualquer caso, é uma situação que ameaça, como raras vezes antes, os laços entre o poder econômico e o governo Bolsonaro.
Sem vacinação eficiente, 2021 não entregará as expectativas de recuperação parcial das perdas deste ano. A inação da política econômica já exasperava: era preciso esperar o fim das eleições municipais para a definição de rumo, agora será necessário aguardar a definição das presidências da Câmara e do Senado. Mas a resposta para a dúvida sobre a causa do impasse da vacina no Brasil é a decisiva para o futuro de Bolsonaro.