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Depois de completar um ano na presidência da Lojas Lebes, uma rede de 135 pontos de venda no Estado, Otelmo Drebes afirma que a empresa já está com a "sua" cara, conforme avisou ao pai, Otélio, quando assumiu:
- Sou teu filho, mas sou outra pessoa.
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Fez ajustes sem demissões, mudou pessoas de lugar e assegura que a Lebes, com sua cultura de não depender de capital de terceiros e manter um perfil quase em extinção no varejo, vendendo de roupas íntimas a geladeiras, vai "passar bem" pela crise, sem correr riscos nem se encolher.
- Não sei quando, mas uma hora a crise vai acabar. O Brasil continua.
Foi um desafio a mais assumir o comando da rede nesse período complicado?
Eu trabalho na empresa há mais de 30 anos. Por ser o filho mais velho e por característica, sempre tive uma função estratégica na empresa. Em 29 de janeiro do ano passado, meu pai, em uma atitude bem pensada, mas sem avisar antes, decidiu sair. Organizou um evento e só dois dias antes avisou que iria sair. Não havia nada combinado. Uma coisa de que as pessoas esquecem é que, em janeiro do ano passado, ninguém falava tanto em crise. Se falava em PIB positivo, em pleno emprego. Ninguém previu essa confusão. Quando fizemos nosso plano de negócios, não se imaginava dólar a R$ 4. É um desafio, sem dúvida. E trabalhamos com isso. Não passamos incólumes, mas passamos bem por uma situação muito difícil.
Além da família, a Lebes tem outros sócios?
Não, é só a família. É o meu pai, eu e meus dois irmãos, e meus dois filhos.
Houve alterações com a troca no comando?
Houve uma mudança grande na empresa, em que muitos diretores mudaram de área e função depois que eu assumi. Elas começaram no segundo semestre de 2015 e se encerraram agora. Hoje, todo mundo está no seu lugar e trabalhando.
Teve enxugamento?
Recentemente fechamos o orçamento para 2016, com despesas menores em relação a 2015. Fui questionado pelo conselho se essa redução contemplava enxugamento de pessoas. Respondi que é pontual, não existe demissão em massa. Pontualmente, pode haver. Custo é que nem unha, tem que estar sempre cortando.
São quantos funcionários hoje e qual o faturamento?
São 3 mil funcionários, atualmente. Queremos fechar 2016 com faturamento de R$ 1 bilhão, que seria 10% (sem descontar a inflação) a mais do que o resultado de 2015.
Tem plano de expansão?
Meia dúzia de novas lojas neste ano.
Onde?
A empresa tem um plano. Considerando um raio de 350 km a partir de Porto Alegre. Temos o alvo, mas ainda não temos os locais definidos. Tem gente vendo prédios já, mas nada definido.
É uma ambição se fortalecer em Porto Alegre?
Sim, porque foi deixado espaço para isso. A gente avalia que a Capital tem espaço para colocar mais filiais. Dentre dessa meia dúzia, talvez haja uma unidade em Porto Alegre. No ano passado, abrimos duas. Tínhamos duas, e abrimos mais duas.
E fora do Estado?
No momento, não. Mas nos próximos anos, sem dúvida. Mas aí passa mais por uma questão de logística e cenário.
O que mais surpreendeu nessa crise foi a profundidade?
Sim, sem dúvida. Tenho 30 anos de empresa, vivi outras crises, desde a época dos planos econômicos. Naquela época, havia um problema, e pouco tempo depois se via a solução. Agora, estamos há mais de um ano nessa situação. E a perspectiva é de que continue por mais um ano, e tem gente falando em 2017. É a primeira vez que eu vejo uma situação difícil perdurar tanto.
Como foi 2015 em vendas?
Vendemos praticameente a mesma coisa que 2014, sem corrigir a inflação.
E esse início de 2016, como tem sido?
Janeiro normalmente é um mês de venda baixa. Nesse ano, deve haver uma leve alta, mas é uma continuIdade do trabalho de dezembro e novembro. Deve subir cerca de 2% em relação ao ano passado.
Como foi sua primeira experiência na NRF, este ano em Nova York? Há algo que se possa aplicar?
Mais ou menos. São realidades que podemos adaptar, mas é muito diferente. Agora se fala muito nos millennials. Esse público, no entanto, é diferente do nosso, formado por pessoas mais velhas, da classe C. Vejo muito mais esse público do que essa gurizada que compra pela internet, que tem um comportamento diferente.
A empresa vende online?
A empresa está bastante bem posicionada e organizada para essas mudanças que estão por vir. A empresa ainda não investe valores e grandes esforços nesse segmento porque ainda é uma plataforma que dá um resultado muito baixo. A maioria das empresas dessa área trabalha com prejuízo. Estamos preparados e temos disponível para os clientes, mas vemos essa baixa lucratividade, que vem da necessidade de praticar preços muito baixos. As empresas colocam preços muito baixos.
Qual a vantagem de manter o perfil abrangente de venda?
Tinha muita gente nesse segmento, hoje não tem ninguém. As pessoas encontram tudo, esse é nosso diferencial. A empresa nasceu com supermercados, e depois começou a ter algumas lojas de roupas e algumas de eletrodomésticos, e algumas de moda e eletrodomésticos. Depois de alguns anos, vimos que essas que juntavam as duas coisas tinham desempenho melhor. São áreas que se complementam.
Deve ser divertido fazer compras para a rede...
É bastante trabalhoso. São muitos segmentos específicos. Importamos e temos uma fábrica de roupas, em São Jerônimo, que abastece exclusivamente para nossas lojas.
Como se faz para manter crédito de longo prazo nesse momento?
O prazo é oferecido ao cliente. Mas o peso no total não é significativo. Por exemplo, os financiamentos em 25 meses representam 10% das nossas vendas. Pensamos na pessoa que quer comprar um refrigerador que vai durar cinco anos. Por que ele não pode pagar em dois, se é o que ele consegue pagar?
É com crédito próprio?
A empresa não tem passivo financeiro. Nós financiamos todas as vendas. Temos uma financeira que faz essas operações, mas não devemos nada para banco, nem nada. Essas oscilações de juro, por exemplo, não nos afetam, como afetam lojistas que têm maior exposição a financiamentos de bancos.
Esse percentual de 10% das compras financiadas a longo prazo foi sempre o mesmo?
Não, já foi maior.
Passa por uma mudança na educação financeira dos clientes?
Sim, sempre trabalhamos para que o cliente tenha a opção, mas trabalhamos no intuito de não incentivar. Muito pelo cenário atual, de cuidar da inflação e da inadimplência. Mas também seria muito ruim parar de oferecer prazo. Teria um reflexo muito ruim para os clientes. Então, como é uma parcela pequena das nossas vendas, a tendência é de manter.
A inadimplência aumentou?
Significativamente. Mas nada fora de contexto, assustador. Aumentou, ficou estável e hoje está caindo. Para reduzir, passamos a ser mais seletivos no crédito, aumentamos nossa cobrança e demos mais treinamento para os vendedores. No nosso cálculo, aumentou 60%, mas levando em conta que a base era muito baixa. O peso não é tão significativo, mas aumentou bastante.
Como o foco da empresa é a classe C, há preocupação sobre o risco de reversão nos ganhos de renda?
Nós temos estudo em relação a isso. No plano de negócios de 2016, contamos com a assessoria Fundação Dom Cabral, que nos alertou para isso. A Dom Cabral aponta o retrocesso de 6 milhões de pessoas que voltam para a classe D, de cerca de 42 milhões que subiram, pelos números deles.
No Estado, esse risco pode ser menor?
Não tenho essa sensação. O que vejo aqui de pior é uma situação criada pelo Estado. A instabilidade para os funcionários receberem. Isso se torna uma cascata, quando as pessoas não têm certeza de que vão receber o salário ou vão receber parcelado. Isso faz com que a pessoa compre no supermercado, algo na farmácia, coloque um pouco de gasolina, pague alguma dívida e depois pense em eletrodomésticos e roupas. Esse efeito, em cascata, é bastante ruim para as empresas.
Com que cenário vocês trabalham?
Pretendemos manter a empresa no mesmo patamar nesse período, com o desejo de crescer. Mas o que eu enxergo: passando por essa fase, da forma que a empresa está fazendo, treinando, sendo mais produtiva, atualizando softwares, vamos ficar mais fortes. Eu não sei quando, mas uma hora a crise vai acabar. O Brasil continua.